Um resgate (ainda que tardio)

Um resgate (ainda que tardio)

Nilson May*

Ítala Nandi comemora os seus 80 anos com "Paixão Viva", quarta, dia 29, no Theatro São Pedro

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Década de 1950. Caxias do Sul, outrora Campo dos Bugres, hoje Pérola das Colônias. Padre Eugênio Giordani, designado para coordenar a construção da magnífica Igreja de São Pelegrino, circula de batina preta em sua moto de 125 HP, correndo pela cidade para atender demandas do pintor Aldo Locatelli, vindo da Itália, contratado para decorar o teto da nova Matriz. O Mago das Cores, o Michelangelo da modernidade, faria depois, em torno das laterais, sua obra-prima: as estações da Via Sacra, inspiradas na Paixão de Cristo segundo o Cirurgião, de Pierre Barbet. 

Enquanto a Igreja cresce, tanto em sua monumental evolução arquitetônica, quanto em seu expressionismo revolucionário, incrustado pela magia dos pincéis do artista, lá fora, na Avenida Brasil (por vezes, Avenida Itália), as crianças brincam, nas folgas escolares, ora subindo e pulando dos andaimes da construção; ora pedalando suas bicicletas, fazendo piruetas ou apostando corridas na rua pouco movimentada de São Pelegrino. Todos, porém, querem levar na carona a morena mais bonitinha dentre as que se dispõem a dar uma volta pela quadra. Fruto da ingenuidade juvenil da época, aquilo representava uma glória na disputa pelas gurias do bairro. Antes dos 15 anos era o máximo que poderiam almejar.
Pois um dia a garota foi embora do bairro, de mudança com sua família, e cada um dos meninos seguiu seu caminho no decurso da vida, perdidos na imensidão das grandes cidades, envolvidos em seus misteres profissionais, restando apenas as lembranças daquele período de felicidade sem compromissos, para o resto de suas vidas. 
Muitas décadas se passaram, e não é que agora a guria resolveu voltar. Estudou, cresceu, evoluiu, especializou-se em Artes Cênicas, tornou-se atriz, já fez 60 anos de carreira, atuou em mais de 20 filmes, telenovelas, musa do cinema nacional, intérprete de personagens memoráveis, protagonista do primeiro nu frontal no teatro brasileiro. 
Quem diria, a guria está de volta! E, como ela própria confessa, “realista, sem preconceitos, o coração voltado para o amor”, Ítala Nandi vem a Porto Alegre para comemorar seus 80 anos de vida.
Nome fundamental do Teatro Oficina, na década de 1960, Ítala Maria Helena é estrela de peças como o Rei da Vela e na Selva das Cidades; vencedora do Prêmio Molière de Teatro, indicada ao Urso de Prata em Berlim e à Palma de Ouro em Cannes; atriz de novelas da TV brasileira, tais como o Direito de Amar, Que Rei Sou Eu e Pantanal; autora de quatro livros. 
No cinema, Ítala Nandi brilha em “O Bandido da Luz Vermelha” (de Rogério Sganzerla, 1968), “Pindorama” (1970), “Sagarana” (1974), “Guerra Conjugal” (1975), “O Homem do Pau-Brasil” (1981), “Domingo” (2018), só para citar alguns títulos dentre muitos outros.
Na próxima quarta-feira, dia 29 de junho, às 21h, no Theatro São Pedro, teremos a única apresentação do solo Paixão Viva, com Ítala Nandi retornando às suas origens para rememorar sua brilhante carreira, “criando diálogos imaginários, com a câmara e o espectador, sem fronteiras definidas.” 
Quem sabe, possamos desfrutar deste momento ímpar, de resgate e reconhecimento à nossa atriz gaúcha, graças às destacadas iniciativas de Antônio Hohlfeldt, presidente da Fundação Theatro São Pedro, e de sua competente equipe, voltada para a divulgação da cultura em todas as suas vertentes, utilizando para isso o cerne fundamental das Artes Cênicas do Estado, o Theatro São Pedro no ano em que completa seus 164 anos.

* Médico e escritor. Autor de “Céus de Pindorama”, “Bosque da Solidão” e outros. 

‘PAIXÃO VIVA’ SERÁ APRESENTADA NA QUARTA, 29, NO TSP
Ícone da cultura brasileira, com trajetória marcante tanto no cinema como no teatro e na televisão, Ítala Nandi faz uma única apresentação do solo performático “Paixão Viva”, com o qual comemora seus 80 anos, no dia 29 de junho, às 21h, no Theatro São Pedro (Praça Marechal Deodoro, s/nº. Com patrocínio da Unimed, a peça foi escrita por Ítala e pelo cineasta Evaldo Mocarzel, que também assina a direção do monólogo, que participou recentemente do festival Palco Giratório, do Sesc RS. Gaúcha, nascida em Caxias do Sul, a atriz retorna às suas origens e lança luz na sua luminosa carreira. Uma das cofundadoras do Teatro Oficina - ao lado de Zé Celso Martinez Corrêa e Renato Borghi -, Ítala foi musa do cinema nacional por duas décadas, protagonista do primeiro nu feminino do teatro brasileiro e intérprete de memoráveis personagens no palco e na TV. Os ingressos são gratuitos, mediante doação de 2 quilos de alimento não perecível. Concebida para potente apresentação, “Paixão Viva” revisita personagens, criando diálogos imaginários com pessoas que influenciaram profundamente a vida e arte de Ítala, sem fronteiras definidas. 


Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895