Uma revisão do Modernismo

Uma revisão do Modernismo

"Foi uma geração transformadora, inovadora e ativista, principalmente nos seus primeiros anos, que trouxe para o país o que de mais importante se estava fazendo nas artes plásticas e na literatura na Europa.”

José Eduardo Degrazia*

Mário de Andrade (primeiro à esquerda), Rubens Borba de Moraes (sentado, segundo da esquerda para a direita) e outros modernistas como Tácito, Baby, Mário e Guilherme de Almeida e Yan de Almeida Prado, em SP

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Lembro-me bem de uma conversa que tive com Dyonélio Machado no início dos anos 70, em que ele me dizia que era um homem do século XIX. E, depois, arrematou dizendo que tinha sido contra o Modernismo: “Falei no Congresso de Escritores com o Oswald de Andrade e ele me disse que a Semana de Arte Moderna não passara de uma brincadeira de rapazes.” Nesse momento, os dois pertenciam ao Partido Comunista e procuravam pontos de acordo. Além do mais, sendo Dyonélio um autor realista, de linguagem clássica, com interesses profundos na história da Grécia e de Roma, muito provavelmente se sentira atingido pela campanha dos modernistas. O teórico do Modernismo, Cândido Mota Filho – citado por Mário da Silva Brito1, mostra em poucas linhas o que era o movimento o que apoiavam e o que combatiam, principalmente a influência do Simbolismo: “Para ele, ‘o simbolismo foi, talvez, a mais séria reação contra o parnasianismo e o realismo” p. 182. Não é de se admirar, portanto, que o movimento paulista da Semana de Arte Moderna de 1922, ao chegar ao seu centenário encontre-se em aberta discussão. Não são mais os passadistas (e Dyonélio não o era, como comprovam os seus romances Os ratos e O louco do Cati), mas os revisionistas, a partir dos anos 1970, que procuram delimitar a real importância da Semana na História da Literatura Brasileira. 

Mário da Silva Brito mostra bem como era o pensamento dos líderes modernistas: “Mas o grupo modernista não se opõe apenas ao passado, ao romantismo, ao realismo, e à escola parnasiana. Ataca também o regionalismo literário, então em moda. O intelectual deslumbrado com a metrópole cosmopolita não encontra justificativa para a literatura de iaiás e ioiôs, para as letras caipiras. ‘São Paulo avança numa afirmativa de maravilhas. A sua literatura liberada como a sua arte, tanto quanto a sua indústria e o seu comércio, têm que representar um alto papel e um alta missão e – não podem parar ante o choro senil dos infecundos’ – afirma Oswald de Andrade. Cândido Mota Filho, por sua vez, lança o seu protesto contra o ‘Jeca Tatu’, personagem padrão das letras regionais: ‘O mono burlesco que vive sentado sobre os calcanhares, indiferente a tudo, retardatário da espécie e tropeço ao progresso do país, não pode ser o protótipo da alma Nacional’” (p. 176).

A principal voz, entre nós, que procura entender o que foi o Modernismo paulista em relação com o que era chamado de pré-modernismo e com as correntes fora do eixo Rio-São Paulo, é a do Professor Luís Augusto Fischer. Em artigos, entrevistas e livros, o escritor e ensaísta tem nos trazido argumentações de peso para fundamentar a tese que a Semana de Arte Moderna foi um movimento que procurou alijar da corrente das letras nacionais tudo e todos os que não se enquadrassem na visão cosmopolita e progressista da vanguarda industrial da capital do Sudeste. Parecia ao grupo que fez a Semana que além de combater os hábitos provincianos, o realismo e o regionalismo, o parnasianismo e o romantismo idealizado, precisava levar para o restante do Brasil as ideias novas e de vanguarda que a metrópole paulista representava. Menotti del Picchia, um dos grandes divulgadores do movimento mostra que São Paulo era para eles “é hoje uma metrópole febril, milionária, impressionantemente enorme”, concluindo com grandiloquência: “as emoções de todas as raças e os tipos de todos os povos agitam uma das vidas sociais mais violentas e gloriosas do universo” (p. 180).

São Paulo, com as transformações econômicas trazidas pela riqueza do café, pela imigração e posterior industrialização, só poderia conduzir o restante do Brasil a cabresto para o progresso da sociedade e das artes. Um destino manifesto se abria diante da elite intelectual da grande cidade, tirar as províncias do seu atraso econômico que levava a se mostrar em formas artísticas e literárias acadêmicas e regionalistas. Oswald de Andrade, em artigo de 1921, já deixara bem claro este pensamento ao dizer, referindo-se à formação de uma nova raça brasileira: “O resto do país, se continuar conosco, mover-se-á, como corpo que obedece, empós do nosso caminho, da nossa ação, da nossa vontade” (Brito, 1958, pp. 178-179). E mais esclarecedor da participação paulista no ideário do movimento como o condutor do Brasil para o futuro, diz-nos Mário da Silva Brito, na p. 178: “Ao passado opõe, pois, a realidade atual, que a seus olhos deslumbrados veem diariamente. O São Paulo metropolitano aparece-lhes, sempre como exemplo do que poderá ser ou vir a ser o Brasil. A situação presente de São Paulo é a medida por que, no desejo dos seus intelectuais e artistas, se deve avaliar o resto do país. O Brasil tem, assim, consoante pensam, uma missão a cumprir: a de alcançar o estádio atual da civilização paulista”.

Não se está aqui, por óbvio, tentando diminuir a importância do Movimento Modernista e da Semana de Arte Moderna de São Paulo. Foi uma geração transformadora, inovadora e ativista, principalmente nos seus primeiros anos, que trouxe para o país o que de mais importante se estava fazendo nas artes plásticas e na literatura na Europa. Quase toda a literatura que se fez no Brasil, a partir deles, foi transformada por sua ação propagadora de inovações e de novas interpretações do Brasil. Como foi citado anteriormente, o Simbolismo teve influência no nosso modernismo, e, também, o regionalismo, como é o caso da literatura feita no Rio Grande do Sul. Aqui, Simbolismo e Regionalismo confluíram para formar a nossa corrente moderna. Entrados já no século XXI, essas correntes ainda permanecem, ao lado de possíveis autores pós-modernos.
1.BRITO, Mário da Silva; “História do Modernismo Brasileiro”; Editora Saraiva, São Paulo, 1958.

*JOSÉ EDUARDO DEGRAZIA. Poeta, ficcionista e tradutor. Médico oftalmologista. Colaborador do CS nos anos 1970.

 


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