Viamão e as origens do Rio Grande do Sul

Viamão e as origens do Rio Grande do Sul

Característica de grande área territorial provém do período em que a Coroa Portuguesa incentivou a ocupação dos chamados Campos de Viamão

Vitor Ortiz *

Detalhe da capa do livro 'Viamão 300 Anos', da Editora Já

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O município de Viamão, segundo o último censo, é o 8º em população no Estado, com 224.116 habitantes. O território, o mais extenso da região metropolitana, abriga três importantíssimas reservas (a APA do Banhado Grande e os parques de Itapuã e Saint-Hilaire) e uma grande área rural, onde brotam empreendimentos diversos, de centros espiritualistas (como o dos budistas do Lama Padma Santem, no Caminho do Meio) a campos de oliveiras que geram um internacionalmente premiado azeite de oliva.

A característica de grande área territorial, três vezes maior que a da Capital, provém das origens do Rio Grande do Sul, do período em que a Coroa Portuguesa incentivou a ocupação dos chamados Campos de Viamão, buscando expandir a fronteira do império colonial luso no Sul do Brasil, nos primórdios dos séculos 17 e 18. Neste período, tropeiros que já circulavam fazendo negócios de gado, couro e mulas na fronteira Sul dos territórios coloniais de Portugal e Espanha nas Américas foram implantando invernadas. E as invernadas depois transformaram-se em sesmarias.

Sesmaria é uma antiga medida de extensão de terras. Em Portugal, na época da colonização, uma légua de sesmaria equivalia a mais ou menos 6,6km. Em Viamão, em 1813, um padre chamado João Diniz vendeu ao Barão de Santo Amaro a Fazenda Boa Vista ou Fazenda do Capivari, uma grandiosa estância formada pela união de três antigas sesmarias. Sua área total compreendia 10 léguas, mais ou menos 13km por um lado, com uma extensão de aproximadamente 30km por outro.

Esta junção de três sesmarias sob uma única propriedade ocorreu ao longo dos anos 1700. Por volta de 1735, o pai do padre, seu homônimo, João Diniz, um antigo tropeiro, fugiu com sua gadaria do cerco espanhol à Colônia do Sacramento para os campos do rio Capivari, em Viamão. Nesta época, havia casado com Dona Catarina de Lima e, em 1745, nascera seu único filho, o primeiro gaúcho a ser, anos depois, ordenado padre: João Diniz Álvares de Lima.

Diniz-Pai morreu precocemente e, em seguida, a viúva, mãe do padre, ainda jovem, casou-se outra vez com um rico provedor fazendário da Capitania. O tal provedor, José Antônio Vasconcelos, tinha já amealhado duas estâncias de sesmaria nas vizinhanças do Capivari (a Fazenda do Retiro e a Boa Vista). O casamento uniu as três propriedades. Em 1777, aos 50 anos, este provedor faleceu repentinamente e a mãe do futuro padre, Dona Catarina de Lima, virou então a maior estancieira da história do Rio Grande. Sua propriedade é esta que, em 1813, foi vendida pelo padre Diniz. Tal pároco, herdeiro único de uma grande fortuna, é o principal responsável pela implantação dos altares barrocos e das alfaias da Igreja de Viamão, o que fez com o dinheiro das sesmarias herdadas da mãe. 

Esta é uma das histórias das grandes propriedades que se formaram no modelo de divisão da terra adotado pela coroa portuguesa para o povoamento e ocupação do que hoje é o Rio Grande, um modelo concentrador da posse da terra. A existência destas grandes propriedades – havia várias outras sesmarias no interior viamonense – combinado com a ausência de industrialização na região, explica a vastidão territorial rural de Viamão e, consequentemente, uma maior preservação do ambiente natural. O que até pouco tempo significava um “atraso”, hoje é um “ativo” do município.


O LIVRO

 

O livro Viamão 300 Anos aprofunda estas histórias, tendo surgido para dizer mais ou menos o seguinte: vejam este lugar, muitas vezes tratado com desdém, como periferia de Porto Alegre. Não há acontecimento na história do Rio Grande do Sul que não tenha reverberado ali. Há mais ou menos 300 anos, seus campos são percorridos, utilizados ou referidos na história da colonização portuguesa no sul brasileiro. Do mesmo modo, o território viamonense foi protagonista na guerra farroupilha, constituindo-se como lugar tático no chamado cerco a Porto Alegre. É uma cidade com lugar de fala na história gaúcha.

A remissão do título à idade trezentista é um argumento de retórica com a finalidade de justamente valorizar esse potencial histórico. Viamão tem formalmente 281 anos, porque institucionalizou, ou melhor, resolveu adotar, como data de nascimento, o 14 de setembro de 1741, data em que o Bispado do Rio de Janeiro autorizou a construção da Capela que deu origem à atual Igreja de Nossa Senhora da Conceição, templo este tombado como patrimônio histórico-cultural nacional, único exemplar barroco existente na região Sul. Porém, o nome de Viamão propriamente dito, como referência aos campos existentes no território abaixo de Santa Catarina e da Serra Geral já é citado em mapas e documentos há mais de três séculos.

Claro, Viamão era bem maior. Uma grande região “entre Lapa e Lages” – como sublinhou Saint-Hilaire. O núcleo urbano constituído nos arredores da Capela de Viamão, porém, foi por muito tempo um pequeno arraial que congregava as famílias dos estancieiros, camponeses, açorianos instalados ali perto, indígenas integrados à colonização e muitos negros escravizados, considerando a proporção da população. O ponto de referência para esta grande região era a Igreja, o lugar de batismos, crismas e casamentos.

Em 1960, Viamão ainda era um pequeno e pacato município com mais ou menos 30 mil habitantes, que congregava também o atual município de Alvorada, antigo Passo do Feijó. 40 anos depois, no ano 2000, já tinha mais de 200 mil habitantes, enquanto Alvorada ostentava o número de 180 mil. Atualmente, mais de 400 mil pessoas vivem no antigo território de Viamão (somada a população alvoradense). 

POTENCIAL

Depois de passar por este processo de desordenado crescimento populacional, o gigante Viamão acorda para seus potenciais. Somente de orla, junto ao Guaíba e a Lagoa dos Patos, são 108 quilômetros, onde Itapuã é o grande atrativo. “É uma das paisagens mais bonitas e ricas do mundo,” afirmara José Lutzenberger, o grande defensor da preservação da área e sua transformação em parque, uma luta que remonta aos anos 1970.

“Poucos municípios guardam em seu território a diversidade de paisagens como Viamão,” salienta o professor Rualdo Menegat, doutor em ciência na área de ecologia da paisagem pela Ufrgs. Ele descreve num artigo do livro referido essa riqueza natural existentes nesse território viamonense: as colinas e morros graníticos, a várzea do rio Gravataí, a Coxilha das Lombas e as lagoas, com suas margens, os espelhos d'águas e as terras baixas lacustres próximas ao litoral e à Lagoa dos Patos.
Na atualidade, Viamão é a maior e mais rica reserva ambiental da região metropolitana, apta a receber empreendimentos inovadores e sustentáveis, extremamente bem dotada de todos os recursos necessários para o desenvolvimento de um turismo de curta distância e de negócios criativos que se baseiam no potencial natural e cultural.

SOBRE O LIVRO:

"Viamão 300 Anos"
A publicação (Editora Já) tem capa dura e 200 páginas muito bem ilustradas com fotos, mapas e diversas imagens. Trata-se de uma obra jornalística organizada pelos jornalistas Elmar Bones e José Barrionuevo. O livro está dividido em três partes: a primeira sobre as origens históricas, a segunda sobre o potencial ambiental do território e a terceira sobre os novos empreendimentos na região. Instagram: @livroviamao300anos

* O autor Vitor Ortiz é gestor cultural, formado em História 


Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895