Frustrações da urna

Frustrações da urna

Acompanhei 25 eleições em 62 anos e nunca vi tanta pesquisa como agora. Noticia-se mais sobre pesquisa do que sobre os candidatos e suas intenções e programas. Impõem sobre o eleitor uma enxurrada de pesquisas, como se fossem eleições diárias.

Alexandre Garcia

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A indecisão na eleição presidencial desse domingo frustrou os dois lados, que agora vão para o segundo turno. O lado de Lula, porque acreditou nas pesquisas que traziam indicação de vitória no primeiro turno. O lado de Bolsonaro, que viu nas ruas e no oceano verde-e-amarelo a indicação de ganhar fácil no primeiro turno. Assim como as ruas deixaram Bolsonaro com ilusão, as pesquisas iludiram Lula deixando-o confiante a ponto de ausentar-se das ruas.

As pesquisas reincidiram nos erros graves da eleição de 2018. Em nove empresas de pesquisas, nenhuma previa Bolsonaro com 43 pontos. Iam de 31 a 39. Entre as nove principais, apenas duas não apontaram Lula como vencedor em primeiro turno. O “agregador de pesquisas” do Estadão cravou 51% a 36% com a vitória de Lula. Em São Paulo, maior eleitorado, as pesquisas deram pouca importância a Tarcísio e ao astronauta. Pontes elegeu-se senador com mais de 50% dos votos, e Tarcísio liderou o primeiro turno. Aqui em Brasília, as pesquisas foram surpreendidas com Damares; acertaram no governador, mas erraram a classificação dos demais.

Deputados e senadores eleitos estão se mobilizando em busca de uma CPI para apurar se pesquisas tentam manipular o eleitor, fazendo-o crer num resultado que possa influenciar na decisão do voto. Sempre achei complicado tirar conclusões com uma amostra milesimal do eleitorado que não é homogêneo. Com o sangue humano, o laboratório pode tirar resultados com uma gota, mas com o cérebro emotivo do eleitor, é difícil até consultando uma amostra de 1%, que seriam 1.560.000 eleitores - mas entrevistam de 2000 a 7000 pessoas. Amostragem de 0,0013 do todo - um eleitor representa 78 mil? Ponha-se ciência nisso. Acompanhei 25 eleições em 62 anos e nunca vi tanta pesquisa como agora. Noticia-se mais sobre pesquisa do que sobre os candidatos e suas intenções e programas. Impõem sobre o eleitor uma enxurrada de pesquisas, como se fossem eleições diárias. Com que objetivo?

Quem acreditou em pesquisa ficou com a impressão de que o presidente se fortaleceu, como mostraram as manchetes do day after; já quem acreditou nas multidões das ruas, ficou desconfiado dos resultados. Tudo porque apareceu essa adivinhação que oferece uma bola de cristal diária como revelação do resultado das urnas. Nesta eleição presidencial pode ser que as pesquisas tenham querido entregar ao eleitor um fato consumado, mas o resultado disso nos candidatos pode ter sido o contrário, pois a consequência foi relaxar os músculos de Lula e estimular a atividade de Bolsonaro, que já fez maioria aguerrida na Câmara dos Deputados e no Senado. Formou um Congresso praticamente inviável para seu adversário.
Esta saturação de pesquisas e de empresas de pesquisa revela uma atividade rentável, que encontra quem compre e encontra quem acredite. Mas desvia o eleitor do tema principal, que é não a torcida numa bolsa de apostas, mas pensar e debater sobre o passado do candidato, seu caráter, seu desempenho em cargo público, suas ideias e suas intenções. Muitas pesquisas, na prática e no cotejo com a realidade das urnas, mais parecem agências de apostas e de propaganda.


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