A liberdade que assusta

A liberdade que assusta

Trata-se de algo um tanto pueril, mas que demonstra a inabilidade do Estado para lidar com inovações que chegam como um tsunami.

Guilherme Baumhardt

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A tecnologia assusta os donos do poder. Estamos diante de um debate pesado, com ações que lembram ditaduras, na tentativa de cercear a liberdade de expressão. E usarei um exemplo simples, já mencionado outras vezes aqui na coluna, para melhor compreensão da frase que abre a coluna.

O sistema de transporte urbano das cidades era altamente regulado. No Brasil, mais ainda. Para dirigir um táxi era necessário receber a bênção do Estado para se tornar um dos ungidos. O resultado: uma reserva de mercado, com baixa concorrência, garantida pelo poder público − graças ao limitado número de licenças.

O que ocorreu? Um belo dia aportaram pelas bandas tupiniquins plataformas de transporte que, sem pedir licença, passaram a transportar passageiros de um lado para o outro. Os motoristas não eram profissionais, mas eram habilitados pelo próprio Estado. Os carros, na maioria dos casos, eram melhores do que os táxis. Soma-se a isso uma crise econômica que retirou do mercado de trabalho formal inúmeros profissionais. E o inevitável aconteceu: a melhoria do sistema, com mais variedade, preços mais baixos e, finalmente, concorrência.

Trata-se de algo um tanto pueril, mas que demonstra a inabilidade do Estado para lidar com inovações que chegam como um tsunami. Não há regulação, proibição ou cerceamento que chegue a tempo de impedir que o fenômeno ganhe corpo e forma. Isso talvez ajude a entender o que acontece hoje no Brasil, especialmente no projeto de lei da mordaça (o PL 2.630, o PL das Fake News), que escolheu as empresas de tecnologia como alvo. Não se iluda. O alvo final é, na verdade, você.

Há uma ressalva importante: não há escoteiro nesta história. Uma boa amostra disso ocorreu durante a pandemia, quando algumas das big techs atuaram como linha auxiliar de tiranetes de plantão, cerceando a liberdade de expressão e suprimindo debates necessários à época. Mas entre delegar esta missão a governantes ou juízes (caso do STF, no atual momento brasileiro) ou deixar que o mercado se ajuste, eu fico sempre com a segunda opção.

E como ele se ajusta? O Twitter é o melhor exemplo. Um bilionário chamado Elon Musk, até aqui um defensor ferrenho da liberdade, decide comprar a plataforma. E, com isso, chacoalha o mercado. Facebook e outros sentem o impacto e agora correm atrás do prejuízo. Para muitos usuários, de mocinhos já passaram à condição de vilões.

Não se trata aqui de implantar ou defender uma espécie de anarquia, mas no que diz respeito a liberdades individuais, a história nos mostra que poucas forças são tão potentes quanto a de homens em busca da própria liberdade. O colapso dos regimes socialistas ainda está muito vivo na memória e serve de exemplo. Mesmo na China comunista, com séculos de opressão, em que a maioria nasce, cresce e morre sob o jugo do Estado, há movimentos cada vez mais fortes no sentido de retirar as amarras impostas pela tirania.
O maior pesadelo de quem pretende ser dono do poder é a liberdade. É por essas e outras que Brasília e o Brasil fervem neste momento.

 


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