A terceira via cansa

A terceira via cansa

"O eleitor pode não ser formado em sociologia, ter mestrado ou doutorado em ciência política, mas percebe e entende os movimentos. "

Guilherme Baumhardt

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Até quando a crônica política brasileira insistirá na ladainha de uma terceira via na corrida presidencial? É informação, análise ou desejo? Ou desespero, talvez. Estamos no final de maio, às portas de junho. Em julho, logo ali, os partidos realizam as prévias, quando finalmente são oficializados os nomes e formalizadas as candidaturas junto à Justiça Eleitoral. A essa altura do campeonato ainda há indefinições, mas são detalhes.

Luiz Henrique Mandetta, João Amoedo, Luciano Huck, João Doria Jr., Eduardo Leite, Sergio Moro. Nenhum deles se viabilizou até aqui com chances reais de quebrar a polarização existente entre o atual presidente Jair Bolsonaro e o ex-detento Lula. Simone Tebet é o nome da vez, mas não empolga. Além dela, Luciano Bivar se apresenta para o jogo e Ciro Gomes é o eterno candidato.

O leitor mais atento pergunta: se não há chance, por que os partidos insistem? Por razões distintas. No caso de Simone Tebet o objetivo é a barganha política, é valorizar o passe. O MDB tem tempo de propaganda em rádio e televisão e uma fortuna quando se trata de dinheiro dos fundos partidário e eleitoral. É uma espécie de noivo desejado não pelos atributos pessoais, mas sim por aquilo que a família ostenta.

Ciro Gomes está na corrida porque há um casamento perfeito entre ele e o seu partido, o PDT. O trabalhismo morreu, mas ainda acha que manda no pedaço. Vivem da herança e da memória de Getúlio Vargas, João Goulart e Leonel Brizola. Qual a grande obra deixada por eles? Os maiores entusiastas citarão a CLT, a Consolidação das Leis Trabalhistas. Sim, uma legislação inspirada na Carta del Lavoro, do fascista (este, sim) Benito Mussolini, atrasada, retrógrada, ultrapassada. E o que mais? “Ah, a educação, os CIEPS, escolas de turno integral, do doutor Brizola”. Turno integral é uma boa ideia, mas há uma ressalva: criança em sala de aula o dia todo para quê? Para aprender, crescer e se desenvolver? Ou ficar submetida a uma “educação” que mistura conteúdo com doutrinação, algo bastante presente em instituições públicas atualmente?

E Luciano Bivar? Você sabia que ele já disputou a presidência da República? Sim, em 2006. Não se sinta culpado, porque ninguém lembra. Na ocasião ele recebeu os votos de 62 mil brasileiros, ficando em último lugar, com apenas 0,06% da preferência do eleitorado. Um expressivo fracasso, uma derrota retumbante. E o que ele faz na atual corrida eleitoral, se não tem densidade? A resposta a gente talvez encontre dentro de alguns anos.

O leitor com memória mais apurada vai lembrar que, em maio de 1994, segundo as pesquisas eleitorais, Fernando Henrique Cardoso estava a quilômetros de distância de Lula. É verdade. Mas FHC já era candidato e tinha no seu portfólio, para apresentar ao eleitorado, nada mais, nada menos que uma carta valiosa, chamada “Plano Real”, somado a tudo que ele trouxe para a economia do país: estabilidade, controle da inflação, previsibilidade e crescimento econômico. Nenhum dos postulantes hoje da terceira via tem um trunfo assim.

O imponderável, o imprevisível, por vezes, aparece. Ou ele, ou um assassino em potencial, como Adélio Bispo, em 2018, que quase matou e tirou da disputa o atual presidente, após a facada durante um ato de campanha, em Minas Gerais. Não tenho bola de cristal, mas tenho estrada. Corro sérios riscos de dar com os burros n’água e serei o primeiro a reconhecer um eventual erro de análise nas linhas acima, por obrigação com você, leitor.

Mas pela obrigação que tenho com quem acompanha este espaço, bato novamente na tecla: esqueçam a terceira via. Ela já era. Não surgiu, não apareceu. Arrisco dizer, como disse em uma coluna anterior, que daqui para a frente teremos direita e esquerda disputando a preferência do eleitorado nas próximas disputas, com pequenas variações no discurso, na prática e, claro, nos nomes. Mas serão, ao fim e ao cabo, direita e esquerda, para usar conceitos antigos.

Mas nesta eleição ela ainda tinha chance? Acredito que sim. Mas errou a mão, desde o início. Preocupada em enfraquecer o atual presidente, bateu tanto em Bolsonaro que ficou parecendo linha auxiliar do petismo. Doria, Leite, Mandetta, Amoedo e tantos outros tinham voz e verbo apenas para a crítica, nunca para o elogio, mesmo que pontual. E quem apenas critica, o tempo todo, sem enxergar mérito mesmo quando ele esbofeteia a nossa cara, é a esquerda.

O eleitor pode não ser formado em sociologia, ter mestrado ou doutorado em ciência política, mas percebe e entende os movimentos. Para ele, ao longo desses três anos e meio, surgiram apenas pequenas variações do petismo, nunca uma terceira via de fato.


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