Bilionários estatais
"Bill Gates criou sua fortuna dentro de um ambiente de competição acirrada. Acertou mais do que errou. Fruto da sua competência, suplantou pelo caminho aqueles concorrentes que poderiam ameaçar o seu negócio. Quem não quebrava e ficava pelo caminho, era comprado. Não há moralismo barato nas minhas linhas. Mas ainda falta a resposta."
publicidade
Há uma estranha onda de “bondade” no ar. E que merece uma atenção especial. Principalmente por se tratar de gente defendendo não a caridade pura e simples, a doação feita diretamente a quem precisa, mas sim pela cobrança de impostos. A mais recente bilionária disposta a dar mais dinheiro para governos é a austríaca Marlene Engelhorn.
Ela é uma das herdeiras da fortuna dos fundadores da Basf, empresa multinacional que atua especialmente na área química. A fortuna a que Marlene tinha direito ultrapassava os 4 bilhões de euros (em uma conta rápida estamos falando de mais de 20 bilhões de reais). É muito, muito dinheiro.
A herdeira faz parte de um movimento chamado “Tax me now” (Me taxem agora, em tradução simples), que defende o pagamento de mais impostos. Quem integra a turma? Basicamente herdeiros de fortunas bilionárias. Há até um site, em alemão, expondo as razões pelas quais essa gente passou a acreditar em Papai Noel. Marlene decidiu que ficará com “apenas” 10% do valor total – algo como 400 milhões de reais.
Um dos primeiros a defender a ideia de que deveria pagar mais impostos foi o bilionário norte-americano Bill Gates, dono da Microsoft. Há algum tempo, Gates, em um momento de profunda autocrítica – talvez inspirado por comunistas, especialistas quando o assunto é a “profunda autocrítica” –, resolveu dizer mais ou menos o seguinte: paguei impostos de menos na minha vida e, como bilionário, acredito que deveria ter pagado mais.
No final de 2019, ele escreveu em uma rede social: “Se você tiver mais dinheiro, paga uma porcentagem maior de impostos. Acho que os ricos devem pagar mais do que pagam atualmente, e isso inclui Melinda e eu”.
Vejo sempre com bons olhos iniciativas que primam pela doação, financeira ou não, em prol de terceiros. É um princípio que fomento. Mas à medida que a idade avança, a ingenuidade cede e dá espaço a um olhar mais arguto, menos romântico e mais pragmático.
Bill Gates, em uma noite entre o Natal e o Ano Novo, resolveu ter uma espécie de drama de consciência? Pouco provável. Se não é isso, então estamos diante do quê exatamente? Gates, inteligente que é, sabe que a riqueza gerada pelas suas empresas é muito mais produtiva e eficiente quando gerida por ele. Máquinas estatais, via de regra, são lentas, engessadas, paquidérmicas. Há no caminho do dinheiro gerido pelo poder público um sem-fim de ralos por onde a riqueza pode escoar e se perder, desde a burocracia até a corrupção.
Se ele sabe disso, qual o sentido de defender o pagamento de mais impostos, uma atitude que se resume a tirar dinheiro do privado e passar ao público (leia-se governos)? Não seria mais inteligente criar uma fundação para ajudar aqueles que precisam, com caráter assistencialista? Ah, ele já tem. Chama-se Gates Foundation. Difícil de entender? Parece, mas não é.
Bill Gates criou sua fortuna dentro de um ambiente de competição acirrada. Acertou mais do que errou. Fruto da sua competência, suplantou pelo caminho aqueles concorrentes que poderiam ameaçar o seu negócio. Quem não quebrava e ficava pelo caminho, era comprado. Não há moralismo barato nas minhas linhas. Mas ainda falta a resposta.
Gates e tantos outros bilionários veem um mundo com mudanças cada vez mais bruscas e acontecendo de maneira muito mais rápida. Ele mesmo, algum tempo atrás, admitiu que seu maior temor era o de que algum jovem ainda imberbe, em um país distante, mas com um computador na mão e acesso à rede, criasse um produto novo e revolucionário, algo tão inovador a ponto de acabar com os seus negócios. Entenderam agora?
É autopreservação. Depois que se chega ao topo, o negócio não é facilitar a vida de quem entra, mas colocar minas terrestres pelo caminho. E aí, meu caro, ninguém melhor do que o governo (leia-se Estado) para cumprir tal missão.