Carta aberta

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Cogitar um voto favorável ao Projeto de Lei das Fake News é flertar com a tirania

Guilherme Baumhardt

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Deputados federais de todo Brasil escreverão um dos capítulos mais importantes do país, muito provavelmente, nesta terça-feira, dia 2 de maio. Deve ocorrer hoje a votação do Projeto de Lei da Censura, o Projeto de Lei da Mordaça, que alguns incautos (e outros malandros) insistem em chamar de Projeto de Lei das Fake News. Cogitar um voto favorável à proposta é flertar com a tirania, é beijar o autoritarismo, é abrir a porta para que, muito em breve, sejamos cerceados de outras maneiras. Porque, no final das contas, é disso que a proposta trata: delegar a terceiros um direito individual. Neste caso, o da liberdade de expressão.

Nesta segunda-feira, em todo o país, manifestações de rua tomaram conta do espaço público. Não, ainda não foram comparáveis ao que vimos nos protestos pelo impeachment de Dilma Rousseff, ou na defesa da Lava Jato, mas mostraram que brasileiros tiveram coragem, venceram o medo e, de uma forma ou de outra, mandaram uma banana aos desmandos dos togados de Brasília – juízes que rasgaram o devido processo legal, que ignoram o texto da lei, que resolveram agir não mais como guardiões da Constituição, mas sim como partido político.

Não, não é a liberdade apenas dos jornalistas que está em jogo. É também a sua, de quem você gosta. Trata-se de um cheque em branco que dará ao governo de plantão a tarefa de dizer o que você poderá ou não dizer, sob pena de infringir a lei. E, quando se ultrapassa a lei, o que sobra é a punição. Deste ponto, se aprovado o projeto, para outras arbitrariedades será um passo.

E por que o governo federal quer tanto isso? Para minar todo e qualquer canal de questionamento e crítica. Na Venezuela, antes do advento das redes sociais, Hugo Chávez e seus asseclas chegaram lá. Primeiro, cooptaram a imprensa que se vende. Depois cassaram concessões daqueles que lhes eram críticos. Quem não tinha dobradiça na espinha, saiu do país. Os que ficaram vivem hoje sob uma ditadura esquerdista. Ao fim e ao cabo, as plataformas hoje existentes – especialmente aquelas livres, como o Twitter – representam uma ameaça ao status quo.

Por isso, meus ilustres (e outros não tanto) parlamentares, vocês é que decidirão se colocarão seus nomes no panteão da liberdade, ou se reservarão espaço nas páginas mais vergonhosas deste país. “Ah, mas se o Congresso vetar, o Supremo Tribunal Federal depois decide por conta própria”, afirmarão alguns. E eu direi: “Deixem que eles durmam e convivam com a vergonha – se é que ainda a tem. Eu prefiro seguir olhando nos olhos da minha filha, com orgulho, sem máculas, tendo a certeza de que busquei sempre ser um exemplo a ser seguido”.

O que assistimos neste 1° de maio deve recrudescer. Não será surpresa se mais e mais gente engrossar novas mobilizações nas próximas semanas. Há um segundo semestre nebuloso, com tormenta no horizonte – falar em desemprego e recessão não é um exagero. O timoneiro do Brasil, no lugar de buscar um porto seguro ou navegar por águas mais calmas, insiste no caminho do populismo barato, colocando a embarcação no olho do furacão, em meio ao maremoto. Apertem os cintos, o ano de 2023 não será fácil. O que nos sobra? Cobrar, exigir, pressionar para que mantenhamos o país na rota certa. Com uma mordaça na boca, isso será impossível.
E se, apesar de todos os alertas, você ainda está em dúvida sobre a necessidade ou não do Projeto de Lei da Censura (malandramente chamado de PL das Fake News), faço o convite: dê uma rápida olhada em quem apoia a proposta. Não é difícil escolher um lado.


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