Carta de um realista

Carta de um realista

No Brasil do STF e do TSE, o voto é obrigatório.

Guilherme Baumhardt

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No Brasil de Lula e Dino você pode ser um cidadão sem ficha na polícia, um sujeito que honra seus compromissos, ser um bom pai e um bom marido, pagar seus impostos em dia, ter um atestado de bons antecedentes e ser aprovado em uma avaliação psicológica, mas nem pense em comprar uma arma para proteger a família ou a própria vida. Deixe isso com os profissionais. Quem? Na cabeça do cidadão de boa índole, a polícia. Para o governo, talvez entrem na lista assaltantes, assassinos e estupradores, já que não se vê a mesma energia e veemência na hora de desarmar o crime.

No Brasil do STF e do TSE, o voto é obrigatório. Você pode até não comparecer no dia do pleito, mas ainda assim é obrigado a justificar sua ausência. Se não o fizer, está sujeito à multa. É o tacão democrático do Estado sobre a sua cabeça. Neste mesmo sistema que obriga você a participar da “festa da democracia”, você não pode fazer qualquer crítica, sequer cogitar a ideia de que colocaram água no chope ou de que nunca houve azeitona na empada, e que isso não cheira bem. Não, de jeito nenhum.

Aos que duvidam, experimente levantar algum questionamento sobre as sagradas urnas eletrônicas. Experimente levar adiante a ideia de uma mudança no sistema, para algo diferente do que temos hoje no Brasil. Arrisque o próprio pescoço ao sugerir que adotemos algo que o Paraguai, por exemplo, já tem - voto impresso auditável. Se o fizer, não vai demorar muito para que alguém aponte o dedo e diga que você é uma ameaça à democracia. Logo você, que gostaria de vê-la aprimorada e mais forte.

No Brasil atual, o governo se prepara para enfiar a mão ainda mais no seu bolso, em uma espécie de assalto institucionalizado e legalizado, conhecido como aumento de impostos. Quem poderia nos defender? O Congresso, com seus deputados e senadores, gente eleita para pensar nos interesses da população, não nos do governo. Mas aí você descobre que teve muito Batman que se aliou ao Coringa, e que no lugar de homens de valor, Brasília hoje abriga sujeitos que têm, na verdade, preço – os R$ 8 bilhões em emendas liberados nos dias anteriores à votação do projeto de reforma tributária falam por si.

No Brasil atual, é preciso ter um pé atrás até com o conservadorismo. É bom olhar com lupa e atenção redobrada aqueles que se apresentaram assim para a sociedade.

Arriscaria dizer que é uma espécie de “transconservadorismo”, de gente com uma habilidade ímpar, que consegue navegar por mares revoltos com pés em diferentes canoas.

São, em síntese, conservadores de valores pouco republicanos, para não usar termos ofensivos ou chulos.

No Brasil que até hoje não entendeu que liberdade e democracia são coisas distintas, e que a primeira é muito, muito mais importante do que a segunda, ficamos felizes porque fomos salvos de uma ditadura que só existia na cabeça de lunáticos. Muitos, infelizmente, acabaram comprando a tese furada, em uma espécie de demonstração de solidariedade. No país que acha que é possível haver democracia sem liberdade e que democracia se resume a ir votar em um domingo de outubro, muitos ignoram que em muitas ditaduras há eleições – mas não há liberdade.

Os sinais mostram que a esquerda venceu usando o capitalismo como arma. Em um país em que alguns juízes recebem, em um mês, contracheques de meio milhão de reais e não veem problema nisso; em um país em que políticos trocam a consciência por um ministério e um punhado de cargos; em um país em que o jornalismo gosta de ter o governo como seu principal anunciante e patrocinador, no final das contas estamos diante da consolidação de uma mistura de capital com ausência de valores. Esse caldo é o grande vencedor da sociedade atual.

Sim, somos o sapo dentro da panela de água morna. Quem está em Brasília hoje já acendeu o fogo. Por enquanto a sensação não passa de um incômodo. Quando virarmos ensopado, será tarde demais.


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