Desafio

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Escrever uma coluna é, às vezes, um desafio

Guilherme Baumhardt

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Escrever uma coluna é, às vezes, um desafio. Pretendia escrever sobre a indicação de três esposas de integrantes do ministério lulista para cargos vitalícios, com salários que partem dos R$ 35 mil, em tribunais de contas regionais. No Piauí, a mais nova conselheira é a ex-primeira-dama Rejane Dias, esposa de Wellington Dias (PT), atual ministro do Desenvolvimento Social. Em Alagoas, Renata Calheiros ocupa posição idêntica, desde dezembro. Ela é esposa de Renan Calheiros Filho (MDB), que governou o Estado e hoje é o titular do Ministério dos Transportes. Marília Góes, esposa do atual titular da pasta do Desenvolvimento Regional, Waldez Góes (licenciado do PDT), virou conselheira do TCE-AM em fevereiro de 2022, quando o marido ainda era governador. O nome da vez é Aline Peixoto, esposa de Rui Costa (PT), titular da Casa Civil, ex-governador da Bahia, para uma cadeira do TCE naquele Estado. Tribunais de Contas têm o poder, por exemplo, de tornar um político inelegível. São eles que julgam as contas de prefeitos e governadores. Mas em um Brasil anestesiado, o festival de coincidências descrito acima já não escandaliza mais ninguém.

Como o assunto é maçante, pensei em escrever sobre o grupo de trabalho criado para combater o discurso de ódio e o extremismo. Achei, na minha vã inocência, que finalmente colocaríamos, no Brasil, o comunismo na mesma prateleira do nazismo, como regime totalitário e sanguinário – com o agravante de ter matado ainda mais gente. Mas me surpreendi quando vi que no grupo há comunistas. O tal grupo pretende ser plural, mas entre famosos e ilustres desconhecidos, consegui identificar apenas simpatizantes do atual governo federal. Ou seja, está em gestação uma espécie de nova “Comissão da Verdade” (também conhecida como “comissão da meia verdade”, por se debruçar e investigar apenas os militares, e convenientemente “esquecer” os crimes cometidos pela guerrilha de esquerda).

Como ainda estamos em clima de Carnaval, pensei em falar sobre a maior festa popular do Brasil. Embora tenha sido o tema da coluna da última terça-feira, a grandeza do evento não tornaria um exagero voltar ao assunto. Aí me deparei com um vídeo de uma campanha feita em Olinda, Pernambuco. Políticas de redução de danos já existem há bastante tempo, como no caso de usuários de drogas injetáveis, que recebiam agulhas e seringas novas, para evitar o compartilhamento de material infectado – e com isso transmitir doenças como AIDS ou hepatite. Mas o Brasil atual foi além. E no tal vídeo uma moça bastante alegre se mostra preocupada com usuários de cocaína: “No nosso kit tem um cartão para quem usa substâncias que são aspiradas. Aqui a gente tem um cartão, para você evitar de usar aquele cartão que está na carteira, cheio de bactérias. E aqui tem canudos. Você destaca o canudo, enrola o canudo e faz o uso da substância de vocês em um material que está limpo”. E ela completa: “No nosso kit tem muita informação.

Se você quer fazer o uso de uma substância, procure saber o que ela é, procure saber como ela age no seu corpo, procure saber como você pode reduzir o dano desse uso. Acessem aqui: álcool, cocaína, maconha, LSD e várias outras que a gente vai informar dentro do kit, para que vocês possam ficar suaves nesse Carnaval”. Eu não sei o que é ficar “suave”, mas desde a minha última consulta com o otorrinolaringologista que eu não via alguém tão preocupado com o nariz alheio. Fiquei surpreso, também, porque imaginava que o consumo de cocaína, por exemplo, seguia proibido por aqui. Devo estar desinformado.

Estou muito feliz com esse novo Brasil.


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