Fúria seletiva

Fúria seletiva

Já tivemos isso no Brasil.

Guilherme Baumhardt

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Há um novo livro chegando à praça, que procura homenagear o prócer petista Luiz Gushiken, falecido em 2013. O material traz um texto assinado pelo atual presidente da República. O palanque ambulante não perde a oportunidade de produzir a choradeira de sempre: “Depois que Gushiken nos deixou, os ataques só aumentaram. A presidenta Dilma foi vítima de um golpe” e “uma enorme fraude judicial me tirou a liberdade e o direito de concorrer às eleições”, escreveu o petista.

Para mim, Lula pode dizer o que bem entender. No Brasil seletivo, porém, uns podem mais do que outros. Colocar em xeque um julgamento político (impeachment de Dilma)? Pode. Atirar uma caçamba de suspeições em um processo avalizado pelo Supremo Tribunal Federal (ninguém esquece a figura de Ricardo Lewandowski presidindo a sessão e livrando a senhora Rousseff da perda de direitos políticos)? Sem problemas. Isso faz parte do jogo político baixo e sujo que predomina no país. O que pensa o colunista? Trata-se de narrativa, um festival de baboseiras dito e repetido à exaustão. Isso, porém, não me dá o direito de calar quem pensa assim.

Neste mesmo Brasil em que alguns têm a liberdade de produzir um manancial infinito de asneiras, outros não podem abrir a boca. Criticar a urna eletrônica ou a Justiça Eleitoral? Nem pensar, sob pena de punição e até cadeia. Criticar a turma da toga por assumir o papel de legislativo e executivo? Sem chance. É “jogar contra as instituições”. E, como já dissemos neste espaço, “as instituições estão funcionando”. Eles só não dizem para quem.

São casos que se somam a tantos outros e que escancaram a velha máxima: não é o que você diz, mas de que lado você está. O jornalista e colega de Correio do Povo, Alexandre Garcia, virou alvo da fúria dos paladinos da verdade. Garcia estaria propagando fake news ao sugerir que as enchentes que devastaram cidades do Rio Grande do Sul sejam alvo de investigação. Vou além: órgãos oficiais, como a prefeitura de Bento Gonçalves, fizeram pedido semelhante, no mesmo sentido, questionando a construção de barragens no Rio das Antas. Mas Alexandre não pode. Afinal, ele está do “lado errado”. E por estar do lado errado, há agora um pedido de investigação contra ele.

Se Alexandre não pode, então quem pode? Lula, Lula, Lula! O presidente brasileiro, que se jactava de dizer mundo afora que o Brasil tinha milhões e milhões de crianças morando nas ruas (uma mentira), culpou recentemente as mudanças climáticas pelo terremoto que assolou o Marrocos. Que há um debate global sobre mudanças climáticas e eventos adversos, todos sabemos. Mas os cenários apontam para frio ou calor extremos, nevascas jamais vistas, recordes de temperatura, chuvas e temporais. Não para terremotos. Seria uma fake news? Com o que sabemos hoje, sim. Mas Lula pode.

Para esta turma, as decisões da nomenklatura são todas válidas e justificáveis. Repetem à exaustão bobagens como “é pela democracia” ou “pelo bem do Brasil”. E pensarão assim ao menos até o dia em que se lembrarem que a lâmina da guilhotina encontrou o pescoço de seu inventor, Maximilien Robespierre. Aí será tarde demais.
Segurança
Um dia, quem sabe, voltaremos a caminhar à noite, sem medo, nas ruas das grandes cidades brasileiras. Na última segunda-feira à noite o colunista saiu para jantar em Luxemburgo, onde faz a cobertura da Iasp (reportagem nesta edição). Ida e volta ao hotel feitas a pé. Mesmo em ruas não muito iluminadas, a sensação de segurança e tranquilidade era absoluta. No mesmo horário, idosos caminhavam, jovens praticavam exercícios ao ar livre e outros aproveitavam o frescor da noite para passear com o cachorro. É algo que não tem preço. Já tivemos isso no Brasil. Um dia reencontraremos esta tranquilidade?


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