Frustrados

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O dilema petista: Janja, a sombra que ameaça eclipsar os aspirantes a sucessores de Lula

Guilherme Baumhardt

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Eu sei que o convite não é dos mais aprazíveis. Estaria mentindo se dissesse o contrário. Mas, ainda assim, proponho: feche os olhos, respire fundo e coloque-se no lugar de um petista, qualquer um, mas especialmente dos próceres da legenda, aqueles que ocupam os cargos mais importantes, dentro e fora da estrutura partidária. Agora, mova as pálpebras e veja a realidade. Sim, eu sei. É triste, um desalento. Não é o que muitos esperavam. Quando esta turma, a da vida real, abre os olhos, o que ela enxerga? Janja! Janja! Janja! Para muitos, um pesadelo que vira realidade.

Há figuras que se notabilizaram por ceifar carreiras políticas precocemente. Eram “degolados” aqueles vistos como uma ameaça em potencial ao domínio do cacique-mor. Há até um apelido: mato de eucalipto, ou seja, pessoas que não deixavam crescer nada sob a sua sombra. Leonel Brizola era assim. O velho caudilho liderou o PDT durante décadas e, ao longo deste período, alguns nomes até despontaram. No Rio Grande do Sul, Alceu Collares. No Rio de Janeiro, César Maia e Marcello Alencar. Mas permaneceram como lideranças regionais, ou foram obrigados a trocar de partido para almejar voos maiores. No PT de Lula não é diferente.

Alguns podem argumentar que Dilma Rousseff, presidente entre 2011 e 2016, colocaria a tese por terra. Não exatamente. Explico: a lei veda, até hoje, um terceiro mandato. Existe a eleição e a possibilidade de uma reeleição. Lula, em 2010, foi desaconselhado a levar adiante qualquer mudança na legislação, para permitir um terceiro mandato. Em 2014, o petista até ameaçou retornar, escanteando a pupila, mas foi convencido a abandonar a ideia – talvez prevendo o desastre econômico que se aproximava – a maior recessão vista na história brasileira, ainda pior do que a chamada década perdida, dos anos 1980.

O tempo passa e alguns episódios pouco abonadores tratam de colocar por terra possíveis substitutos de Lula. O Mensalão abateu José Dirceu, o então todo poderoso ministro-chefe da Casa Civil. Pouco tempo depois, o depoimento do caseiro Francenildo Costa, seguido da escandalosa quebra de sigilo bancário, colocou fim às pretensões do então ministro da Fazenda, Antonio Palocci. E Lula? Saiu chamuscado, arranhado, mas ainda com forças para, em 2006, conquistar a um novo mandato, vencendo o hoje vice-presidente Geraldo Alckmin.

E Fernando Haddad? É um sujeito que vive à sombra do atual presidente da República, ocupando o mais importante Ministério de Brasília, almejando com isso ter forças para conquistar o governo de São Paulo, em 2026. Este é o projeto. Não é à toa que recebeu o apelido de “poste”. Faz o que manda o chefe, sem grandes questionamentos ou críticas.

E Janja nesta história? Lula está com 77 anos. Não é mais um menino e a idade começa a apresentar a conta. Além do câncer (já superado), o presidente enfrentou cirurgia, para colocação de uma prótese. Com os sinais emitidos nos últimos dias, fica cada vez mais claro que Lula começa a apostar suas fichas na primeira-dama. Foi assim, na semana passada, quando escolheu Janja para chefiar a comitiva que veio ao Rio Grande do Sul.

Ninguém admitirá publicamente, mas já há choro e ranger de dentes no petismo. E aí voltamos ao início da coluna: coloque-se no lugar de quem há anos espera para ser o sucessor político de Lula. Quando este cenário finalmente começa a surgir no horizonte, todos aqueles que durante décadas se acostumaram a dizer “amém” ao grande líder, surge um novo nome, uma neófita, sem história partidária, sem disputa por votos, sem ter sido eleita uma única vez para um cargo público na vida.

Nos bastidores, há petistas incomodados, mas nenhum se arrisca a abrir o bico. Afinal, quem vai queimar o próprio filme e se desgastar com Lula? Melhor abaixar a cabeça e, mais uma vez, dizer “amém” ao grande guru.


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