Inversão

Inversão

Felizmente hoje no Brasil não há mais espaço para comprar a versão que apenas criminaliza a polícia e inocenta bandido

Guilherme Baumhardt

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A polícia invade uma favela (ou comunidade), é recebida a tiros, barricadas são montadas para dificultar o acesso dos agentes de segurança. Para completar, um policial é baleado ao descer do camburão. Atingido na cabeça, o agente não resiste. Durante a ação, que pretendia repreender o tráfico de drogas e o crime organizado, o número de mortos beira trinta – incluindo o policial. O que faz parcela da mídia? Toma o mesmo rumo que os partidos de esquerda: classifica o episódio como uma chacina.
O tempo passa e descobre-se que ao menos vinte dos mortos tinham antecedentes – ou seja, não eram trigo limpo. Entre os que não tinham ficha corrida, há evidências de envolvimento com o crime organizado e relatos de familiares apontam ligações com o tráfico de drogas. Durante a ação, armas de uso restrito são apreendidas (Atenção, desarmamentistas! Aqueles fuzis e granadas eram armas legais, de pais de família, ou entraram no Brasil via contrabando?).


No meio das versões (o fato em si virou mero detalhe, o que interessa mesmo para a turma é a narrativa), um grupo de assessoria jurídica da Universidade Federal do Rio de Janeiro envia ao ministro do Supremo Tribunal Federal Edson Fachin (o mesmo que barrou operações policiais nas favelas cariocas em meio à pandemia) material com “potencial explosivo”. Nos vídeos surgem indícios de execução sumária de moradores da comunidade, por parte de policiais. Detalhe: o material era antigo, não mostrava a ação da semana passada e, em pelo menos um dos casos, mostrava criminosos (vestidos de policiais) matando integrantes de grupos rivais. Pergunto: onde estão as agências de fack checking nessa hora, para ajudar o ministro diante de tamanha fake news?!


O episódio de Jacarezinho deve ser investigado. Se em algum caso houve excesso policial, que seja alvo de julgamento e eventual punição. Felizmente hoje no Brasil não há mais espaço para comprar a versão que apenas criminaliza a polícia e inocenta bandido. Existem alguns fenômenos que explicam isso: a mídia não é mais hegemônica, as redes sociais são ferramentas poderosas e gente que não tinha voz agora tem um megafone ao alcance.


O episódio poderia servir para abrir espaço a um bom debate no país. Existe a repressão. Ela produz resultados, mas custa caro. A Colômbia talvez seja o grande exemplo. O investimento foi tão pesado que o país, sozinho, não conseguiu desmontar os grupos terroristas e paramilitares que dominaram a produção e comercialização de cocaína, especialmente após o declínio dos cartéis de drogas (Cali, Medellin...). Foi preciso aporte (financeiro e pessoal) dos Estados Unidos.
O outro caminho seria a liberação total, com a mínima interferência do Estado. O que vimos no Uruguai, onde a maconha foi autorizada, foi uma espécie de “estatização da droga”. O resultado? O tráfico, que antes era ínfimo, cresceu. O país ganhou novos consumidores, a legislação não pune, surge o incentivo. Mas o público deu de ombros para o entorpecente autorizado pelo Estado, enquanto as quadrilhas viram a oportunidade de um grande negócio.


Os entusiastas da ideia do “libera geral” buscam na Lei Seca norte-americana uma espécie de case de sucesso. Com a proibição de venda de bebidas alcoólicas um mercado paralelo surgiu, a máfia nasceu, o crime prosperou e as ações policiais apenas “enxugavam gelo”. Quando as barreiras caíram, a estrutura criminal também desabou e os norte-americanos não se tornaram alcoólatras. A mesma lógica talvez não seja aplicável no caso de drogas de vício mais imediato – o álcool, embora legalizado, leva mais tempo para gerar dependência –, mas o debate seria interessante.
Reconheço que não tenho uma posição definitiva sobre o tema. Sei apenas que não uso drogas ilícitas e perco o sono quando imagino minha filha próxima deste universo. Além disso, sei também que nos tiroteios do Rio de Janeiro, na maioria das vezes, não há anjo ou escoteiro. Quem mete bala na polícia assume um risco. Inclusive o de ser morto.


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