Já bateu saudade?

Já bateu saudade?

Como não se trata de uma ópera bufa, mas do nosso dia a dia, o riso fica contido e, no máximo, surge no canto da boca uma ironia, na linha do “não foi por falta de aviso”.

Guilherme BaumHardt

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Se não fosse a vida real, seria digno de risos. A cada dia que passa, surge um novo arrependido. O grupo vai de tucanos emplumados, passando por liberais delicados e os isentos que acreditaram em um petismo moderado, até chegar a alguns grupos midiáticos que apenas agora resolvem questionar aquilo que deveriam ter questionado desde o primeiro dia – a censura prévia, prisões arbitrárias, os pontapés no devido processo legal.

Como não se trata de uma ópera bufa, mas do nosso dia a dia, o riso fica contido e, no máximo, surge no canto da boca uma ironia, na linha do “não foi por falta de aviso”. De tanto ver defeito onde não havia, assistimos a uma multidão mergulhar de cabeça em um mundo míope, de visões distorcidas. Durante quatro anos falou-se em uma ditadura bolsonarista. Não sem notícia de prisões feitas pelo ex-presidente, de tortura e morte de opositores, de cassação de concessões de emissoras de rádio ou televisão ou de processos movidos a rodo contra jornalistas.

Na economia não foi diferente. Havia uma linha muito clara de retirar o protagonismo do Estado e deixar que a livre iniciativa assumisse as rédeas do desenvolvimento. Pode-se divergir disso. E a esquerda diverge, afinal, é da essência dela pensar o contrário. Mas ver figuras como Armínio Fraga e sua turma darem com os burros n’água, criticando a atual gestão econômica, faz despertar a pergunta: vocês estavam sonhando ou foram sedados, para acreditar que seria diferente do que Fernando Haddad vem fazendo?

Nos veículos de imprensa, sempre tão elogiosos à figura de Alexandre de Moraes (que foi escolhido, pasmem, como personalidade do ano, pela revista Istoé) agora aparecem os primeiros editoriais dizendo o que alguns mais corajosos ousaram dizer no passado recente, quando o Supremo Tribunal Federal passou a atuar como partido político, e não mais como guardião da Constituição. Aqui e ali surgem manifestações dizendo “pera lá, não é bem assim, seu Moraes”. Primeiro foi o Estadão, agora o Globo e até a Folha, pasmem, fazem somente agora o que deveriam ter feito desde o início.

O que virá pela frente? Choro, dor e ranger de dentes. E uma trabalheira do cão para arrumar a bagunça que o lulopetismo está fazendo. É um filme que já vimos. E, pelo visto, gostamos. Dilma Rousseff seguiu pela mesma linha. O país entrou no buraco. Veio o impeachment e, com ele, Michel Temer. As primeiras reformas saíram do papel, a confiança voltou, a economia retomou o crescimento. Novos empregos foram criados e este trabalho teve sequência na gestão seguinte, de Jair Bolsonaro.

Quanto tempo vai levar para que a gente vire a chave? Não tenho a resposta. Mas a história nos ensina que este é o percurso. Se serve de consolo, não se trata de exclusividade nossa. Os norte-americanos também o fizeram. Entre o paraíso e o calvário, escolheram o calvário. E estão comendo o pão que Joe Biden amassou. Se não houver nenhuma hecatombe pela frente (como uma pandemia, por exemplo), os republicanos devem voltar para a Casa Branca com relativa facilidade.

No Brasil, na história recente, assistimos a um enredo em que alguns interesses bastante particulares foram contrariados. E, no lugar de questionar aquilo que cabia, o que se criou foi uma narrativa. Pois bem, os quatro anos do “terror” bolsonarista passaram e a ditadura da “extrema-direita” não deu as caras. Tudo aquilo que foi despejado nos nossos ouvidos, como se eles fossem penicos, não passou de fantasia na cabeça de malandros, reproduzida por incautos e ingênuos. Fantasia antes, realidade agora. Durmam com o monstro que vocês ajudaram a despertar. Só não precisavam arrastar todos nós para dentro do pesadelo produzido por vocês.


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