Jabuticabas afogadas

Jabuticabas afogadas

Se pulverizar o eleitorado entre muitos nomes, a direita corre o risco de dar uma injeção de ânimo no outro lado

Guilherme Baumhardt

STF formou maioria nesta terça-feira

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Eu pretendia escrever hoje sobre os desmandos do Supremo Tribunal Federal. Era minha intenção discorrer sobre a linha ultrapassada por alguns ministros da mais alta instância da Justiça brasileira. Pretendia expor minha opinião sobre decisões recentes, completamente absurdas, inaceitáveis e injustificáveis em uma democracia. Mas é um perigo. Não farei isso. Posso parar na cadeia. Tenho família para cuidar, filha para criar, conta para pagar. Por isso vou compartilhar com os amigos uma receita que causa indigestão, náuseas, mas é o que podemos oferecer no momento.

“Jabuticabas afogadas”

Junte 211 milhões de jabuticabas e descasque, lentamente, com uma faca. Reserve. Em seguida, separe uma dúzia de ovos. Para não romper a casca, convide alguns senadores – eles são especialistas em pisar em ovos sem quebrá-los. Para romper a casca das nozes, use uma foice e um martelo – ferramentas feitas na China melhoraram bastante e agora não quebram (fica a dica). Bata com força, sem piedade, até que as nozes estejam esfareladas. Volte para as jabuticabas. Mergulhe as frutas descascadas em uma bacia e afogue-as no álcool. Algumas voltarão para a superfície. Não é o lugar delas. A receita não funciona se você não as espremer contra o fundo do recipiente, com força. Após alguns minutos o aspecto lembrará uma geleia. É hora de acender o fogo. A polpa deve ser aquecida, preferencialmente, no fogão a lenha, para cozinhar lentamente.

Para iniciar a chama, use papel. A Constituição serve. Rasgue algumas páginas. Aquelas que tratam da liberdade de expressão funcionam melhor. Se não for suficiente, livros de autoria de ministros do STF também cumprem a função. É hora de voltar aos ovos. Esqueça os senadores. Eles não servem para quebrá-los. Chame deputados da oposição.

Eles são especialistas em bater. Batem em qualquer coisa. Misture os ovos batidos, as jabuticabas e as nozes. Deixe ferver. Lentamente. Quando tudo virar uma pasta uniforme, homogênea e reluzente como a careca de um homem calvo, leve para a geladeira. Depois disso, decore. Pegue duas ou três carambolas e fatie com cortes transversais. Você terá frutas no formato de estrelas. Prove quando quiser. E prepare-se para a indigestão.

Onyx...

Está cristalizada na cabeça do ministro do Trabalho, Onyx Lorenzoni (Dem), a ideia de disputar o Palácio Piratini, em 2022. Ele mesmo não esconde que é um sonho antigo. A vontade de concorrer ao governo do Estado foi turbinada semanas atrás, após a publicação de pesquisas que mostram Onyx liderando alguns dos cenários. É cedo, muito cedo – nosso encontro com as urnas está previsto para outubro do próximo ano. Mas hoje apenas uma pessoa pode fazê-lo mudar de ideia: Jair Bolsonaro. E olhe lá!

... Heinze

No campo da direita (vejo como ultrapassados os conceitos “direita” e “esquerda”, mas para facilitar a compreensão vamos com eles), há grandes chances de duas candidaturas de peso ocuparem espaço semelhante. Assim como Onyx Lorenzoni, o senador Luis Carlos Heinze (Progressistas) não esconde o desejo de concorrer ao Palácio Piratini. Esta era, aliás, a vontade dele em 2018, mas em função de costuras políticas e alianças coube a Heinze a disputa a uma das cadeiras do Senado.

Desafio

É inegável que a esquerda passa por um momento de fragilidade. Faltou renovação (quais são os novos nomes?), houve uma mudança de percepção do eleitorado (ser de direita deixou de ser motivo de vergonha) e escândalos como os do Mensalão e do Petrolão atingiram em cheio os discursos de moralidade e da ética, que partidos esquerdistas encaravam como uma espécie de monopólio. Mas se pulverizar o eleitorado entre muitos nomes, a direita corre o risco de dar uma injeção de ânimo no outro lado.


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