Lições tucanas (sobre o que não deve ser feito)

Lições tucanas (sobre o que não deve ser feito)

João Doria acelerou tanto que se perdeu nas curvas da política brasileira

Guilherme Baumhardt

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Um dos slogans utilizados por João Doria Jr., durante a campanha para a Prefeitura de São Paulo e depois já como mandatário da cidade, era “Acelera, São Paulo!”. Doria talvez tenha levado a sério demais o que ele dizia ao final de entrevistas e discursos. Acelerou tanto que se perdeu nas curvas da política brasileira. Capotou. Bateu. Deu perda total. O famoso “PT” – sem ironias, por favor.

Algumas lições podem ser retiradas dos atropelos (excesso de velocidade?) dentro do ninho tucano. Além da pressa, a traição. Dois pecados. Doria surge em 2016 como candidato a prefeito de São Paulo. Contava internamente com o apoio do então governador Geraldo Alckmin. Não era um apoio qualquer, mas um padrinho de peso, um sujeito que já havia governado São Paulo em outras três ocasiões e que esteve ao lado do já falecido Mário Covas. Um ano e meio depois de assumir a prefeitura, Doria decide renunciar para concorrer ao Palácio dos Bandeirantes. Os eleitores? Acredito que se sentiram traídos.

Durante a campanha ao governo de São Paulo, em 2018, Doria defendeu abertamente o voto “Bolsodoria”, abandonando à própria sorte o tucano que foi seu padrinho político e que, de maneira direta ou indireta, o ajudou a ser prefeito. Eleito pela onda bolsonarista, não demorou muito para que ele fosse acometido por uma estranha amnésia. E o acelerado Doria resolveu mudar de lado: de apoiador do presidente, passou a engrossar as fileiras da oposição, deixando desnorteados até o PT e a esquerda radical: “peraí, cara pálida. Quem não vê nada de bom no governo e enxerga problema em tudo somos nós, não você”. E Doria seguiu seu rumo.

No final do ano passado, em uma tumultuada prévia, ele saiu vencedor na disputa interna com o ex-governador do Rio Grande do Sul Eduardo Leite. E quando muitos apostavam que ele decolaria nas pesquisas de intenção de voto, Doria seguiu brigando duramente com o seu principal inimigo: a margem de erro. Às vezes à frente, às vezes atrás. Seu nome nunca fez frente a Bolsonaro ou Lula. E o sonho de liderar a chamada terceira via foi ficando pelo caminho, como um Maverick V8 que acelerou demais antes da hora e ficou sem gasolina.

Se Doria foi picado pela “mosca azul”, jamais saberemos, mas a pressa atrapalhou seus planos. O tucano tinha uma máquina nas mãos, que é o rico Estado de São Paulo. Poderia se dedicar a fazer uma gestão exitosa, trabalhar para uma reeleição tranquila e, em 2026, quem sabe, almejar o Palácio do Planalto. Mas o passo foi maior do que a perna. Doria está politicamente morto? Provavelmente, sim. Neste momento, até uma eleição para o Senado parece ser inviável. Restaria tentar uma cadeira na Câmara dos Deputados, algo que não parece se encaixar no seu perfil.

A pressa de Doria não é a única dentro do ninho tucano. Eduardo Leite não fica atrás. O pelotense foi eleito vereador, na disputa seguinte já era prefeito e, dois anos depois de encerrar o mandato no município, venceu a disputa pelo Palácio Piratini. Tinha grandes chances de se tornar o primeiro governador reeleito do Rio Grande do Sul, um Estado refratário à ideia de renovar mandatos. Mas a “mosca azul” – de novo ela – também parece ter picado Leite. E, nos últimos meses de mandato, ele dormia e acordava sonhando com Brasília.

Alguns cenários ainda o colocam como nome forte ao Palácio Piratini. Tenho minhas dúvidas sobre as reais chances de vitória de Leite em uma nova disputa para o governo do Estado. Sua gestão é bem avaliada e ele tem índices de rejeição aceitáveis. Mas não é absurdo demais pensar que na cabeça do eleitor passa o seguinte raciocínio: o que esse rapaz quer da vida, afinal? Ser governador, depois de ter renunciado e prometido que não seria candidato à reeleição, ou apenas renovar o trampolim para voos mais altos daqui quatro anos?

Diferentemente de Doria, Leite não morreu politicamente. É jovem e tem capital. Mas precisará encontrar novos caminhos.


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