Minúsculo

Minúsculo

Guilherme Baumhardt

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Randolfe Rodrigues é um senador de mandato minúsculo – uma das suas maiores realizações até hoje foi servir de bibelô de Renan Calheiros na CPI da Covid. Randolfe quer proibir a vaia, com multa e até prisão para quem hostilizar figuras públicas. Ao senador que pretende vetar o “buuuuu”, sugiro ir além. O valente parece estar perdendo uma oportunidade ímpar! Que tal impor, por força de lei, o aplauso? Vá em frente, Randolfe!

A sugestão do “senador capinha” – expressão cunhada pelo jornalista Augusto Nunes – lembra uma antiga piada. Um brasileiro pergunta a um cubano: “Como é viver em Cuba?”. Ao que o cubano responde: “Olha, não posso reclamar”. E o brasileiro devolve: “Ah, então não é tão ruim como muitos dizem”. E o cubano completa: “Não, você não entendeu. Eu realmente não posso reclamar”. Em Cuba impera uma ditadura desde a chegada dos irmãos Castro ao poder, na década de 1950.

Randolfe, o de mandato minúsculo, não esconde ser um admirador de ditadores. Há um punhado de fotos dele com Nicolás Maduro, o tirano que promove fome, miséria e perseguições na Venezuela. Para quem tem um desempenho minúsculo, a barriga venezuelana é um assunto menor. O que interessa é lacrar por aqui. Em uma rede social, Randolfe disparou: “O Brasil tem que deixar de ser o país da fome. É inaceitável que milhões de brasileiros não tenham comida na mesa ou convivam com a incerteza de ter ou não o que comer no dia de amanhã”. Se estivesse realmente preocupado com o estômago alheio, Randolfe seria um crítico, e não um apoiador de Nicolás Maduro.
Não é apenas o ditador venezuelano que inspira Randolfe. O senador pelo Amapá admitiu seguir os ensinamentos de outro tirano. Em uma rede social, o valente do mandato minúsculo escreveu o seguinte, ao criticar o sujeito que hostilizou Gilberto Gil dias atrás: “Como costumo dizer, acuse-os do que você faz, chame-os do que você é”. A frase não foi criada por Randolfe, mas, sim, por Vladimir Lênin. E o senador capinha é um dos mais entusiasmados ao posar como defensor da democracia. Peço perdão pela insistência em bater nesta tecla: democracia sem liberdade não tem valor algum. Mas para esta turma, basta votar (ou fingir que vota) que basta. Cuba, por exemplo, tem eleições, mas não tem liberdade e se resume hoje a uma ilha presídio.

Voltando à vaia e a Gilberto Gil. O que ocorre hoje no Brasil é a quebra do silêncio de uma maioria. É uma turma que, por vezes, erra na forma e na dose. No lugar de uma vaia ou uma manifestação de protesto, surge a ofensa pura e simples. Está errado. Não endosso os palavrões ditos a Gilberto Gil. Mas não vejo problema algum em uma vaia direcionada ao cantor baiano. Ele assumiu, desde sempre, posição política. Portanto, nada mais lógico do que colher o bônus (foi ministro da Cultura no governo lulista) e o ônus (vaias e protestos).

Aos que estão de cabelo em pé, eu digo: este é um fenômeno que não vai parar. Foram anos e anos de silêncio, ouvindo poucas e boas, assistindo a uma permanente sinalização de virtude vinda da esquerda. A situação agora é outra. Aos que estão preocupados, achando que caminhamos para trás, trago exemplos. Em 2019, o premiê australiano (país de primeiro mundo) foi atingido por um ovo durante evento de campanha. Em 2002 foi a vez do primeiro-ministro da Dinamarca receber uma mistura de casca, gema e clara na cabeça. Querem mais? Emmanuel Macron, o presidente francês, levou um tabefe na cara. A estes somam-se outros episódios semelhantes.

Se você me perguntar o que eu acho, vou dizer que não endosso ofensa e agressão, mas manifestações respeitosas dos insatisfeitos são bem-vindas, desde que em hora e local apropriados. Exemplos como os citados acima mostram que a cobrança sobre figuras públicas não é uma exclusividade nossa.


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