Mordaça a galope

Mordaça a galope

Da vigilância sobre o que é dito em redes sociais para outras arbitrariedades será um pulo.

Guilherme Baumhardt

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Ainda há um caminho (cada vez mais curto) a ser percorrido, mas o primeiro passo foi dado, após a aprovação em plenário do regime de urgência ao Projeto da Censura (recuso-me a chamar este absurdo de Projeto das Fake News). A vitória não foi expressiva, mas o governo mostrou alguma força. Apesar de existirem ali pontos passíveis de discussão, a verdade é que estamos brincando com fogo e entregando a terceiros a nossa liberdade.

Após a tentativa fracassada – durante o segundo mandato lulista – de aprovar a criação de um Conselho Federal de Jornalismo, com o poder de cassar diplomas e calar a boca de profissionais de imprensa pelo “crime de opinião” (absurdo digno de republiqueta bananeira), o atual governo federal encontrou agora um novo caminho, mas o objetivo final é o mesmo: censurar vozes contrárias. Sim, já tratei sobre o tema aqui na coluna e peço desculpas por voltar ao assunto.

Da vigilância sobre o que é dito em redes sociais para outras arbitrariedades será um pulo.

Liberdade religiosa? Para quê? Que sigamos o exemplo da Nicarágua, onde igrejas são fechadas e padres presos. Liberdade para empreender? Que coisa mais capitalista! Vamos adotar os modelos de Cuba, Venezuela e Coreia do Norte. Não é exagero. Trata-se de um script montado e preparado para garantir ao Estado aquilo que a esquerda mais gosta: controle, controle e controle. Estamos abrindo uma porta perigosa. Do outro lado não vem coisa boa.

Aos que ainda não se deram conta do risco, relembro alguns fatos e episódios. Na China, acessar redes sociais comuns no Ocidente é proibido. Ler ou publicar, no Twitter, por exemplo, só é possível usando um sistema que dribla a censura imposta pelo governo comunista – corre-se o risco de punição. Na Venezuela, do “companheiro” Nicolás Maduro, em pelo menos duas ocasiões (2019 e 2021), o ditador de plantão resolveu voltar suas baterias contra humoristas e “regrar” piadas. Enfurecido com brincadeiras feitas a seu respeito, a cria de Hugo Chávez meteu uma mordaça em quem queria fazer rir.

O próprio Lula já deu inúmeras demonstrações de simpatia à ideia da censura. Falou inúmeras vezes em regular as redes e foi muito além da mera crítica ao trabalho da imprensa em tantas outras. Aos mais jovens, eu lembro: no primeiro mandato, no início dos anos 2000, enfurecido com um texto do correspondente do jornal The New York Times, Larry Rohter, relacionando os hábitos presidenciais ao consumo de álcool, Lula deu início a um processo de expulsão do jornalista do território brasileiro, algo que foi suspenso após ser torpedeado por críticas de uma parcela da imprensa que cumpria o seu papel.

Agora, como sempre ocorre, o projeto ganhou contornos aprazíveis. O nome da proposta não diz do que realmente se trata (censura), mas ganha um ar mais simpático ao propor o combate às notícias falsas (fake news). É o que menos se vê no texto, carregado de controle e regulação. De tudo que está ali, um dos únicos pontos que merece algum debate é sobre a remuneração a empresas de comunicação por conteúdos veiculados por big techs. Assim como um fotógrafo é pago por uma imagem e um escritor recebe direitos autorais sobre sua obra, o trabalho jornalístico envolve custos (inerentes a qualquer atividade econômica). Hoje o YouTube e outros remuneram pouco ou não remuneram quem arcou com as despesas.

Encerro o texto lembrando uma frase atribuída a Benjamin Franklin, que presidiu os Estados Unidos e foi um dos founding fathers: “Quem abre mão da liberdade em troca de um pouco de segurança, não merece nem liberdade e nem segurança”. Se há algo que você, eleitor e leitor da coluna, pode fazer é pressionar os deputados e senadores para que o projeto tenha o destino correto: a lata de lixo.


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