O agro é o alvo

O agro é o alvo

Com a postura de ver escravidão onde podem existir, no máximo, insalubridade ou más condições, tudo que a patrulha vai conseguir é acelerar a troca da mão-de-obra humana por máquinas

Guilherme Baumhardt

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Primeiro, a colheita da uva. Dias depois, a lavoura de arroz. Pode ser apenas uma grande coincidência. E pode ser que não. De qualquer forma, propositalmente ou não, o fato é que o agronegócio (do pequeno ao grande produtor) foi colocado no olho do furacão – do noticiário, passando pelo julgamento precipitado das redes sociais, até chegar às campanhas da política de cancelamento.

O conceito de “análogo à escravidão” (visto nos dois episódios recentes) é, na verdade, um grande guarda-chuva. Debaixo dele cabe muita coisa. Alguns são, de fato, problemas a serem resolvidos. Mas há uma distância abissal entre uma condição insalubre, por exemplo, e escravidão. O “análogo” cumpre uma missão: ele se presta a colocar as duas situações em condição de paridade. E isso está errado. Insalubridade é algo inerente a muitas atividades laborais – em muitos casos os profissionais recebem, inclusive, um adicional. Escravidão deveria se resumir a duas situações (ambas inaceitáveis e abomináveis): trabalhos forçados e cerceamento da liberdade, do direito de ir e vir. Estes, aliás, são os dois conceitos que norteiam a definição de trabalho escravo em países desenvolvidos.

O caso da colheita da uva parece estar próximo de um fim, não sem antes expor um gigantesco absurdo. As empresas que foram arrastadas para dentro do episódio (as denúncias pesavam contra uma terceirizada) fecharam um Termo de Ajustamento de Conduta, o famoso TAC. O valor? Sete milhões de Reais! O amigo leitor deve estar imaginando que o dinheiro será utilizado na integralidade para indenizar os trabalhadores. Deixe sua gargalhada aqui. É claro que não. Afinal, isso aqui é Brasil, isso aqui é Banânia. Do montante, apenas R$ 2 milhões vão para o bolso daqueles que teriam sido alvo de maus tratos. O restante? Ah, o resto da grana vai para entidades (quais?), fundos (de quem?) e projetos (liderados por quem?) voltados para a recomposição do dano. Sim, é uma piada. E de mau gosto.

O outro episódio, registrado em Uruguaiana, carece de mais detalhes e apurações – assim como o verificado na Serra. Mas nas alegações iniciais que classificaram a atividade como “análoga à escravidão” estavam o desconto dos valores daqueles que não trabalhavam. Opa! Peraí! Funcionário que não comparece ao local de trabalho ou não cumpre a jornada prevista pode ter desconto no salário ou o ponto cortado. Está na lei! Onde há escravidão nisso? Além disso, também como elemento “análogo à escravidão” consta a falta de equipamentos para aquecer a comida. Não sei o leitor, mas perdi a conta do número de vezes que meu almoço estava gelado feito bunda de pinguim. Quando tratei do assunto no ar, na Rádio Guaíba, choveram mensagens de ouvintes relatando casos semelhantes, até mesmo de médicos plantonistas, que na correria de uma emergência acabam não encontrando tempo para aquecer a comida. Comida quente é sempre melhor, mas entre comida fria e escravidão há uma considerável distância.

O leitor é inteligente e sabe exatamente qual será o resultado da perseguição ao agronegócio. A mecanização da colheita, que já é uma realidade para as culturas de arroz, soja, milho, trigo e outras, chegará com mais velocidade e rapidez aos pomares. Impossível? Viaje alguns anos rumo ao passado e lembre dos “boias frias” trabalhando na colheita da cana-de-açúcar. Hoje, todo o trabalho é feito por máquinas, com elevado grau de automação.

Já há tecnologia sendo desenvolvida para maçãs, oliveiras, nogueiras e outras tantas culturas. Com a postura de ver escravidão onde podem existir, no máximo, insalubridade ou más condições, tudo que a patrulha vai conseguir é acelerar a troca da mão de obra humana por máquinas. Não precisa ser um gênio para concluir isso. E aqueles trabalhadores de baixa qualificação ficarão a ver navios, sem emprego. Parabéns aos envolvidos.


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