O inimigo da vez

O inimigo da vez

A encarnação do mal agora é um projeto que se arrasta há anos.

Guilherme Baumhardt

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Pronto! Fazia tempo que Porto Alegre não tinha um novo inimigo número um. O mais recente alvo da fúria, raiva e protestos da vanguarda do atraso é um prédio de 41 andares, a ser construído na rua Duque de Caxias, no Centro. Como a vida dos “intelectuais” (muitos deles autodenominados) da cidade é ser do contra, assistimos mais uma vez ao movimento que reúne meia dúzia de gatos pingados, mas que conquista espaços generosos na imprensa.

Estamos na cidade que era contra a revitalização do Cais Mauá, por se tratar de “espaço público”, porque sendo público era de todos. Sim, de todos os ratos e baratas que habitavam o lugar. Veio o Cais Embarcadero e, surpresa, descobrimos a maravilha que é frequentar um local com infraestrutura, para almoçar ou jantar próximo ao rio, ou simplesmente aproveitar o entardecer às margens do Guaíba. A turma “do contra” não queria algo assim aqui, mas viajava a Buenos Aires e Montevidéu e achava Puerto Madero e Mercado del Puerto o máximo.

Porto Alegre é a cidade que se mobilizou contra o aproveitamento do antigo Pontal do Estaleiro. Foram décadas de espera e, hoje, há uma praça, um empreendimento comercial e um hotel. Só não há prédio residencial porque, neste caso, os dinossauros da cidade falaram mais alto e barraram o uso misto da área. A turma “do contra” gritou bastante, mas provavelmente viaja a Barcelona e gosta da modernidade instalada às margens do Mediterrâneo onde, inclusive, foi erguido o Hotel Wella – construção que lembra bastante a que está hoje no Pontal do Estaleiro.

A intelectualidade porto-alegrense usa o velho e surrado argumento (?) da “elitização” dos espaços. O que queriam? Um shopping ou hotel estatal? Estamos tratando de gente míope, movida muitas vezes por interesses políticos, um enorme festival de caranguejos que é incapaz de visitar locais assim e ver que há ali gente de diferentes classes sociais. Outro exemplo da letargia e atraso que pairavam sobre a cidade e amarraram a capital ao atraso é a nova Orla do Guaíba, que sofreu forte oposição.

A encarnação do mal agora é um projeto que se arrasta há anos. O novo prédio, com quase cem metros de altura, será erguido em uma área onde hoje funciona um estacionamento, em meio aos escombros da construção que antes ocupava o local. As manchetes da imprensa são hilárias. Uma delas: “Novo empreendimento de 41 andares no Centro fará sombra no Palácio Piratini”. E eu pergunto: e daí? Outro “problema”: a obra não pode sair porque fica ao lado do Museu Julio de Castilhos – argumento que existe graças a uma legislação estúpida, quando, na verdade, o prédio valorizaria a área e o próprio museu.

Fico imaginando, décadas atrás, em Nova York, quando começaram as obras do Rockefeller Center, algum boboca local dizendo: “Não podemos erguer algo assim, tão alto, porque na quadra em frente fica a Catedral de São Patrício. Vai fazer sombra”. Não se tem notícia de que isso tenha ocorrido. E, mais uma vez, a turma que vê problema nos espigões daqui já deve ter visitado e tirado fotos no World Trade Center, um colosso da engenharia civil.

Estamos falando dos mesmos que defendem, por exemplo, a CLT com unhas e dentes, mas fingem não ver a horda que vai aos Estados Unidos, tentar a vida, construir riqueza e patrimônio, sem o guarda-chuva das leis trabalhistas brasileiras. Porto Alegre definitivamente abriga o que há de pior na vanguarda do atraso. É gente que não lota uma Kombi, mas que inexplicavelmente conquista um espaço desproporcional na vida e nos debates da cidade.


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