Patrola ligada

Patrola ligada

Do outro lado da Praça dos Três Poderes, não demorou para que Alexandre de Moraes mostrasse as garras.

Guilherme Baumhardt

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As linhas a seguir foram escritas antes de uma definição sobre a votação do PL 2630, a Lei da Mordaça – ou Lei das Fake News, como preferem os incautos. Mas, independentemente de algum fato novo durante a noite ou madrugada, a análise que segue permanecerá atual. O que interessa? Diante da resistência à tirania, na terça-feira à noite, o governo não teve dúvidas (e nem pudores) ao ligar a máquina estatal e avançar como uma patrola contra aqueles contrários à censura que guia a proposta. Foi interessante termos uma amostra (nada grátis) de como seria a nossa vida com um Estado ainda mais poderoso.

O Google, que “ousou” manifestar sua posição aos que acessavam o site de buscas, foi alvo da fúria do ministro da Justiça, Flávio Dino. O comunista não pensou duas vezes antes de acionar um aparelho do próprio ministério contra a empresa. Dino encontrou uma filigrana menor para abrir a brecha que precisava: colocar a desconhecida Secretaria Nacional do Consumidor (que fica sob sua tutela) na missão de constranger o Google. Assim, sem qualquer cerimônia. Difícil imaginar o que faria Dino com ainda mais poder? Nem um pouco.

O argumento (pífio, risível, torpe e desqualificado) foi o de que o comunicado do Google, em que o site expressava a sua opinião, deveria ser classificado como publicidade, já que a plataforma de busca não é uma empresa jornalística, portanto não poderia publicar um editorial (como fazem veículos de imprensa). Um absurdo típico de tiranias. O texto publicado era assinado, estava facilmente identificado e de maneira clara trazia as razões da empresa, com as quais pode-se concordar ou discordar.

Do outro lado da Praça dos Três Poderes, não demorou para que Alexandre de Moraes mostrasse as garras. O ministro que inaugurou uma nova era no Supremo Tribunal Federal (a da autossuficiência) determinou que os gestores do Google, Meta (Facebook e Instagram) e Spotify prestassem esclarecimentos para a Polícia Federal. Sob qual argumento? Qual crime? O de se posicionarem sobre algo que toca diretamente os seus negócios? É coisa típica de Estado policialesco, que muito lembra Stasi e KGB.

Se é assim, os veículos de imprensa que se posicionaram a favor do PL 2630 precisariam ser também convocados a dar explicações, algo igualmente absurdo. Minha crítica, neste caso, é outra: a falta de transparência e honestidade de algumas empresas jornalísticas, especialmente quando produzem editoriais travestidos de reportagem. Isso é um atentado contra a inteligência do leitor, ouvinte ou telespectador. De resto, que defendam o que acharem correto, desde que sejam honestos com o público.

Além das demonstrações de força, produzindo coerção e constrangimento, o governo utilizou também o nosso dinheiro, com a liberação de emendas para parlamentares – algo em torno de 10 bilhões de reais. Em casos assim, a única dúvida é se estamos diante de compra de votos ou aluguel de consciências. E, claro, surgiram velhos e surrados argumentos que não param em pé, como o pecado do lucro (“são empresas bilionárias”).

Sobre as big techs, como Google e outros, não alimento a esperança de que tenham aprendido alguma lição. Fica, porém, o registro para a história: muitas delas se posicionaram a favor da censura, especialmente durante a pandemia, calando a voz de usuários e banindo das redes aqueles que ousaram criticar, questionar e colocar em xeque o status quo – inclusive médicos. Foram, no mínimo, coniventes. Agora provam do veneno que ajudaram a disseminar.

A reação do governo e do STF, ao longo da terça-feira, serviu para deixar claro o que se pretende: criar uma linha tênue, em uma zona cinzenta. Ultrapassá-la representará sempre um risco, gerador de medo naqueles que ousarem opinar. É o fim da liberdade, por vias tortas. 


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