Quem é o golpista, afinal?

Quem é o golpista, afinal?

Guilherme Baumhardt

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O desfecho do episódio envolvendo a ação do PL, questionando as urnas eletrônicas, é evidência (mais uma) de que o processo legal no país ruiu. A deputada federal Bia Kicis (que foi Procuradora do DF durante 20 anos) resumiu o absurdo: “Ou bem o processo do PL no TSE é administrativo e não cabe litigância de má fé, multas e condenações ou é judicial e teria que ter sido distribuído a um dos ministros e não ter sido passado direto ao Presidente da Corte”. Não vimos nem uma coisa, nem outra.

Presidente do TSE, Alexandre de Moraes decidiu (de novo) mandar recado. Não satisfeito em aplicar uma multa em tom de deboche (R$ 22 milhões, mesma dezena do PL), Alexandre de Moraes enquadrou o presidente do partido, Valdemar da Costa Neto, e o presidente do Instituto Voto Legal, Carlos Rocha, no famigerado inquérito das milícias digitais – aquele em que ele é vítima, investigador, denunciante e juiz, também conhecido como a “autossuficiência do STF”.

Pergunto: e se houver mesmo um problema? E se existirem, de fato, vícios no processo eleitoral? Recorrer a quem agora? Ao Supremo Tribunal Federal? Boa sorte. Na semana passada, a Polícia Federal deu início a uma operação que tinha como alvo a Fundação Getúlio Vargas. Havia potencial de a ação atingir o STF. No minuto seguinte, o ministro Gilmar Mendes ordenou a suspensão da ação e a imediata devolução de celulares, computadores e outros materiais apreendidos pelos agentes da PF.

Alguns ainda apostam que um Congresso de perfil mais conservador poderá colocar freio na balbúrdia. Faço o convite a uma reflexão, com os pés no chão: o parlamento brasileiro não decide mais nada, a começar pela invenção com as digitais de Ricardo Lewandowski, que não cassou os direitos políticos de Dilma Rousseff, mesmo após o impeachment. Além do mais, parte dos deputados e senadores que lá estarão já sentiu o cheiro dos bilhões de reais da PEC do Estoura Teto (ou PEC Argentina). Essa gente já começou a imaginar estatais, cargos, funções gratificadas, obras públicas, ou seja, um sem-fim de possibilidades de se lambuzarem com a montanha de dinheiro que Lula pretende torrar.

Nem mesmo decisões exclusivas do Legislativo são mais respeitadas pelo STF. Em Curitiba, um vereador petista foi cassado pelos seus pares, após invadir uma igreja. E o que fizeram os supremos? Determinaram a devolução do mandato. Pudera: o senador capinha, o estridente Randolfe Rodrigues, já ensinou o caminho: se perdemos no voto, atravessamos a rua, batemos às portas do Supremo e ganhamos com o poder da caneta dos togados. Foi assim, anos atrás, na tentativa de implantar o voto auditável. Outro absurdo: ministros percorrerem os corredores do Congresso, em uma atitude muito similar a de lobistas, não espanta mais ninguém.

Para completar, o poder da narrativa deu mais uma prova do quanto é eficiente e, ao mesmo tempo, assustador. O quadro atual demonstra isso. De um lado, temos um grupo que até agora jogou “dentro das quatro linhas”, mas é apontado como um “risco real para a democracia”. Do outro, gente que vem solapando a lei, estuprando a Constituição e espancando o rito processual há anos, mas posa como guardião do país e das instituições. Um passo em falso do primeiro grupo e o rótulo preparado pelo segundo está pronto para ser colado na testa daqueles que porventura possam esboçar uma reação. Pergunto: depois de tantos abusos cometidos ao longo dos últimos anos, quem são mesmo os golpistas?

Máscaras da hipocrisia

Durante a semana, o grupo de transição se reuniu com o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga. Para o encontro, petistas e assemelhados estavam todos usando máscaras. Queiroga estava com Covid? Não. Sintomas gripais? Também não. Era pura lacração e narrativa. Serviu para, mais uma vez, chamar o atual governo de negacionista e ganhar manchetes de jornais. No dia seguinte, estreia do Brasil na Copa do Mundo, e a petezada estava toda lá, novamente reunida, em um grande grupo, para assistir à partida. E as máscaras? Nada, zero. Literalmente, máscaras caíram. Hipocrisia pura.

Aplausos

O deputado federal pelo Rio Grande do Sul Marcel van Hattem não poupou esforços e conseguiu angariar o apoio de 181 parlamentares (o mínimo exigido são 171 assinaturas) para a criação de uma CPI destinada a investigar os abusos das cortes superiores brasileiras. Ainda temos dois meses e alguns dias da atual legislatura. Trabalho pesado feito, veio a ducha de água fria. O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, teria recomendado a Marcel que iniciasse o trabalho novamente no início do ano que vem, sob o argumento de que não haveria tempo hábil para concluir os trabalhos. Se é assim, ele que abra mão do salário neste período. Em tempo: Lira está no Qatar, acompanhando a Copa. Para quê? Ninguém sabe.


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