Quero ser argentino

Quero ser argentino

Não, o colunista não enlouqueceu.

Guilherme Baumhardt

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Ah, Argentina! Sim, eu sei que a inflação por lá é galopante, que já ultrapassou a marca de 100% ao ano, mas trata-se de uma nação em que a Suprema Corte sabe exatamente qual seu papel, atribuições e limites. Querem uma prova? A maioria dos hermanos sequer conhece o nome dos juízes que integram a mais alta instância do país. Claro, há problemas sérios, como a criminalidade que aumenta, associada ao empobrecimento da população. Mas é um país em que, diante de suspeitas na disputa eleitoral, medidas foram tomadas. A urna eletrônica apresentou problemas? Que se retorne ao método antigo e tradicional. E o mais importante: mesmo que o peronismo esteja enraizado na cultura política local, não é crime ser “de direita”, como mostraram os resultados das prévias. Como é bom ser argentino!

Na Argentina, salvo informação em sentido contrário, o humor não é alvo de promotores e procuradores. Do lado de cá da fronteira, em Banânia, o MPF, na falta de algo melhor para fazer, resolveu investir força e energia contra o perfil de humor “Joaquin Teixeira”. Vamos além: não se tem notícia de que na Argentina um jornalista esteja com suas redes sociais bloqueadas ou desmonetizadas, como ocorre com Rodrigo Constantino e outros tantos por aqui, após decisão judicial. Não há no país vizinho um jornalista que seja alvo de um pedido de extradição, mas que meses depois receba o tão desejado Green Card para viver nos Estados Unidos – caso de Allan dos Santos.

Na Argentina, o agronegócio, que é referência mundial, sofre com uma taxação absurda, que lhe retira competitividade. É ruim. Mas na mesma Argentina os produtores rurais não dormem sob a ameaça de acordarem no dia seguinte com uma cerca arrebentada e um grupo bandoleiro chamado MST dentro das suas terras. Corrigir a tributação é até fácil. Ver o fim de um grupo especialista em invadir propriedade privada e levar adiante agressões e vandalismo é bem mais complicado.

Na Argentina, há razoável chance de o futuro presidente ser um sujeito de cabelo desgrenhado, mas com a cabeça no lugar. Um sujeito que não tem medo de defender medidas impopulares, para retirar o Estado onipresente da vida das pessoas. E ele vai além. Este sujeito tem como slogan uma frase curta, mas de uma força impressionante: “La libertad avanza!”.

Não, o colunista não enlouqueceu. Estou com as faculdades mentais plenas e provo isso deixando duas perguntas aos leitores, em tom de provocação. A primeira: ainda vivemos com liberdade plena no Brasil? Alguns poderiam contra-argumentar dizendo que sim, afinal, o colunista expõe o que está nas linhas acima em um jornal de grande circulação. E aí deixo aqui a segunda pergunta: até quando?

Um dia após o outro...

A Folha de S. Paulo traz a notícia de que o relógio Piaget (avaliado em R$ 80 mil), usado por Lula, não consta na lista de itens recebidos durante o primeiro mandato. O petista afirma que se trata de um presente do ex-presidente francês Jacques Chirac. No mundo perfeito, gestor público não deveria receber presente algum, de ninguém. Nem mesmo uma singela caixa de lenços. Como existe uma diferença entre o ideal e o mundo real, usemos o bom senso. Se algum outro país desse de presente um quadro de grande valor, que pudesse ser exposto em um museu brasileiro, todos concordaríamos que não se trata de objeto de uso pessoal. No caso de itens pessoais, como relógios, a regra deveria ser outra: há algum indício de que o presente foi uma espécie de contrapartida por alguma vantagem recebida? Em caso positivo, investigue-se. Em caso negativo, é do mandatário. É preciso fazer a distinção, do contrário, vira uma zona. Se não houver freio, daqui a pouco, sei lá, tem gente dando apartamento ou até um sítio de presente para o governante de plantão. Já pensaram, que loucura?!


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