Risco e oportunidade

Risco e oportunidade

Medidas como teto de gastos, Lei de Responsabilidade Fiscal e outras iniciativas do gênero servem para evitar que receitas absurdas sejam colocadas em prática

Guilherme Baumhardt

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Há uma polêmica instalada na Assembleia Legislativa que pode render um bom debate – ou a mais pura perda de tempo. Depende do caminho a ser escolhido e dos agentes a serem ouvidos. Para que a discussão sobre teto de gastos e Regime de Recuperação Fiscal (RRF) seja profícua e inteligente, o primeiro passo é reconhecer a dívida do Rio Grande do Sul com a União como ponto de partida. Comprar a tese furada – especialmente da esquerda – de que a dívida já foi paga é comprar uma passagem sem escalas rumo ao fracasso.

Você, leitor, conhece alguém que empresta dinheiro sem a cobrança de juros? Eu não. Quando precisei de socorro financeiro, pedi uma força ao meu pai. E o velho cobrou... juros! Se o seu pai não faz isso, ele não é apenas um pai, mas o Papai Noel. O mesmo ocorre nas relações entre as esferas de poder. Quando o Executivo busca recursos na conta dos depósitos judiciais, paga juros. Os estados, décadas atrás, tinham liberdade para emitir títulos e, consequentemente, se endividar. O problema é que não havia freio. O governo federal acabou com a farra ao assumir a dívida e impor limites.

“Ah, mas o indexador era nefasto!”. Bem, o IGP-DI foi o escolhido porque era o menor à época e já foi trocado pelo IPCA, em 2014. Outra frase ouvida com frequência: “Pelos valores pagos, já quitamos a dívida”. Não, em alguns meses a parcela paga era inferior ao valor devido. O que não era quitado se transformava em estoque de dívida e, portanto, havia nova incidência de juros. É assim conosco, quando não pagamos a prestação do imóvel ou do carro.

Então, como podemos fazer do limão uma limonada? Se não nos comportamos no passado e contraímos dívidas “como se não houvesse amanhã”, a ponto de enfraquecer ainda mais o conceito de federação no Brasil, o ideal é que algumas ferramentas de gestão não sejam barradas em função do acordo a ser fechado com o governo federal.
Dos argumentos trazidos até aqui o que mais me sensibiliza é o que trata da questão tributária. Onyx Lorenzoni, pré-candidato ao Palácio Piratini, vem batendo na tecla. Se o governador quiser reduzir, por exemplo, as alíquotas do ICMS para tornar o Estado mais competitivo e atrair investimentos, a proposta poderia ser barrada em função do acordo. Há divergências sobre esse risco, mas me parece um ponto sensível a ser debatido.

A adesão plena ao RRF é fundamental para evitar que governos perdulários comprometam gerações futuras, bagunçando a vida dos nossos filhos e netos. Exemplos na história recente não faltam. As duas gestões mais irresponsáveis do ponto de vista fiscal no Rio Grande do Sul foram dos petistas Olívio Dutra e Tarso Genro – que contaram, frise-se, com o aval da Assembleia Legislativa, nos seus devaneios administrativos.

Medidas como teto de gastos, Lei de Responsabilidade Fiscal e outras iniciativas do gênero servem para evitar que receitas absurdas sejam colocadas em prática. Querem um exemplo? A Argentina de hoje. “A população está sem dinheiro”, dizem. E o governo manda imprimir moeda. “Estamos com problemas, porque a inflação chegou”, alertam. Então congelem e tabelem os preços. O resultado todos nós sabemos: não funciona.

O maior risco de não aprovarmos agora o novo teto de gastos reside na eleição de outubro. Não sabemos hoje qual será o resultado das urnas. Eduardo Leite, por exemplo, teve uma Assembleia Legislativa muito mais disposta a enfrentar assuntos espinhosos e promover reformas. O antecessor, José Ivo Sartori, tinha uma tarefa mais indigesta, com bancadas de oposição mais numerosas. Arrastar isso para depois da eleição é brincar com o destino. Pode ser que tenhamos um parlamento simpático ao assunto e que enfrente o problema. E pode ser que tenhamos deputados populistas em maior número, gente que acredita em fadas e duendes.


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