Roteiro pronto

Roteiro pronto

No Brasil não temos um advogado, muito menos Jim Carrey.

Guilherme Baumhardt

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Há um filme de comédia que lembra um bocado o momento que vivemos atualmente no Brasil. Chama-se “O Mentiroso”, obra de 1997, estrelada pelo ótimo ator Jim Carrey, que encarna um advogado cuja especialidade é... mentir! Mentir compulsivamente, em absolutamente todas as situações possíveis e imagináveis. Até o dia em que ele, por força de um desejo do filho, é obrigado a falar apenas a verdade. Começa aí um festival de malabarismos para que o mentiroso mantenha o emprego, o amor do filho e consiga se reconciliar com a ex-mulher.

No Brasil não temos um advogado, muito menos Jim Carrey. Mas temos Lula. Quando não mente, o atual ocupante do Palácio do Planalto muda de opinião com velocidade assustadora. O petista conta, com certa dose de orgulho, que em eventos fora do Brasil dizia que o país tinha 30 milhões de crianças morando nas ruas – número léguas distante da realidade. Na campanha do ano passado, Lula prometeu picanha aos mais pobres, a correção da tabela do Imposto de Renda e criticou a “ostentação da classe média”. Até agora a picanha não veio, a mordida do IR segue tão voraz quanto antes e a única ostentação “autorizada” é a dele, Lula, e vem no formato de sofá italiano (R$ 60 mil) e colchão (R$ 40 mil).

Lula acredita que, assim como há ingênuos no Brasil, o planeta é tomado por gente pateta. Não é bem assim. Para se safar, vale quase tudo. Em Portugal, na semana passada, perguntado por uma repórter sobre as críticas que fez a respeito da posição da União Europeia na guerra entre Rússia e Ucrânia, Lula foi tomado subitamente por uma amnésia idiomática. Como a indagação era dura e não um afago, o petista tentou convencer a plateia de que não entendia o português falado pela jornalista. Acredita quem quer.

Sobre a guerra, aliás, a biruta de aeroporto segue frenética. No início de 2022, a Rússia invade a Ucrânia. E Lula conseguiu equiparar vítima e agressor. Em maio do ano passado, o petista disse que o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, era tão responsável pelo conflito quanto o colega russo, Vladimir Putin. Ainda em 2022, em meio à disputa eleitoral brasileira, Lula vendeu a ideia de que poderia encerrar o conflito com diálogo: “Se a gente ganhar e a guerra não tiver acabado, nós vamos conversar com eles”.

Ninguém na comunidade internacional deu a mínima. As declarações pegaram mal e houve reação da Ucrânia, que convidou Lula a conhecer in loco a destruição provocada pelas tropas russas. Na semana passada, ainda em Portugal, Lula, acreditando que não há algo chamado memória, disse: “Nunca igualei os dois países. Todos nós achamos que a Rússia errou por ter invadido a Ucrânia”.

A pergunta é: quem ainda leva Lula a sério? Antes de ser eleito presidente pela primeira vez, em 2002, havia uma espécie de condescendência internacional com o petista, uma espécie de candura produzida pela própria história: o retirante nordestino, que abandonou a seca para construir vida nova em São Paulo, onde venceu e se transformou em um grande líder popular. O conto de fadas termina com o Mensalão e ganha contornos de filme de terror e máfia a partir do Petrolão. Qualquer pessoa minimamente bem-informada na Europa e nos Estados Unidos sabe que o enredo de fantasia é coisa do passado, que Lula deveria estar preso e que só foi solto por circunstâncias jurídicas típicas de uma república bananeira, como é o Brasil.

Muitos acreditam que o atual presidente brasileiro alimenta o sonho de ser agraciado com o Prêmio Nobel da Paz. Se isso é verdade, escrevo com toda a sinceridade: o petista tomou o bonde errado da história. Lula poderia ter buscado inspiração em Lech Walesa, o líder sindical polonês que ajudou a derrubar a tirania de Moscou e, entre 1990 e 1995, presidiu o país (o primeiro após o colapso da União Soviética). Walesa, aliás, foi agraciado com o Nobel da Paz, em 1983. Enquanto o polonês permanece como uma referência na defesa da liberdade e passa por dificuldades financeiras, Lula é presenteado com gravatas de R$ 1 mil.


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