Sensação de déjà vu

Sensação de déjà vu

Não espere que algum prócer petista venha a público externar a insatisfação existente intramuros, mas ela existe.

Guilherme Baumhardt

publicidade

Muitos talvez não lembrem e os mais novos provavelmente não sabem, mas a década de 1990 foi turbulenta na política do Rio Grande do Sul, especialmente em função de uma pessoa e de uma medida tomada pelo governo à época. A secretária em questão era Neuza Canabarro, titular da pasta da Educação. Ela era, também, a primeira-dama do Estado, esposa do então governador Alceu Collares. O problema? O calendário rotativo implantado na rede pública de ensino.

A essência da ideia não era ruim. Implantar dois ou até três anos letivos dentro de um único ano, otimizando assim as estruturas existentes – salas de aula, bibliotecas, etc. Eram outros tempos, com aumento da população e número crescente de alunos. O número de dias letivos também era menor. Com isso, era possível estabelecer a seguinte prática: enquanto alguns alunos estudavam, outros estavam em férias.

Na vida real, o calendário rotativo bagunçou a organização das famílias. Enquanto um filho estava no calendário A, o outro estava no calendário B. E, com isso, as férias de verão ficaram inviáveis. E, como todos sabemos, gaúcho não vive sem praia, nem que seja para passar duas semanas em algum balneário entre Cassino e Torres. O desgaste do governo Collares aumentava dia após dia. Não havia secretário ou conselheiro político capaz de convencer o governador a cancelar a medida e muito menos retirar do comando da Educação a primeira-dama.

Faço o resgate para estabelecer um paralelo com o que ocorre hoje no governo federal. Não comparo pessoas, mas a situação em si. Alceu Collares (felizmente) não é Lula. E Neuza Canabarro nem de longe lembra Janja. Mas as informações que chegam de Brasília demonstram o grau de insatisfação de ministros e pessoas próximas a Lula com a ostensiva presença da atual primeira-dama. A corda está cada vez mais esticada.

Se você acha que é um exagero, procure a foto oficial da visita de Lula ao colega norte-americano, Joe Biden. No Salão Oval da Casa Branca, na imagem que geralmente traz apenas o anfitrião e o visitante, lá está ela, em meio aos dois. Sim, Janja! No episódio da compra de móveis para o Palácio da Alvorada, mais uma vez. O embate, nesse caso, foi com o ministro-chefe da Casa Civil, Rui Costa.

Há outras situações, todas elas no mesmo sentido: de uma primeira-dama com alto poder de influência sobre o presidente da República.

Alguns acreditam que se trata de uma estratégia lulista, de criar um antídoto para uma eventual candidatura de Michelle Bolsonaro à Presidência da República, em 2026 – principalmente se Jair Bolsonaro for considerado inelegível. Janja seria o nome. Ainda assim, fica a pergunta: combinaram isso com os russos? Há mulheres na esquerda e dentro do próprio PT que adorariam receber essa “benção” e serem ungidas por Lula. A começar pela própria presidente da sigla, a deputada federal Gleisi Hoffmann.

Para bobo Lula definitivamente não serve. Collares também não. Mesmo assim, o ex-governador gaúcho não soube fazer a leitura correta, na época, e acabou ofuscando conquistas da sua gestão ao manter teimosamente a esposa em uma posição de destaque, algo que gerou enorme desgaste para o governo. Mais até do que a CPI liderada pelo PT, na Assembleia Legislativa.

Não espere que algum prócer petista venha a público externar a insatisfação existente intramuros, mas ela existe. Resta saber se Lula sucumbirá como Collares, 30 anos atrás. Enquanto o problema for interno, o petista resolve, porque o PT anda a reboque do que ele faz e diz. O problema, de fato, existirá quando resultados ruins impactarem a sua gestão e imagem. A compra dos móveis talvez tenha sido apenas o primeiro de uma série. A conferir.


Mais Lidas

Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895