Um comunista solta o verbo

Um comunista solta o verbo

Há revelações importantes na publicação de Orlando Silva.

Guilherme Baumhardt

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O comunista Orlando Silva está indignado. O deputado federal pelo PCdoB foi para as redes sociais reclamar (segure o riso) dos colegas de parlamento que lideram a CPI do MST – Tenente Coronel Zucco (presidente) e Ricardo Salles (relator). “Absurdo!!! Os deputados Salles e Zucco, membros do circo de horrores da CPI do MST, invadiram ilegalmente assentamentos. Cadê a autorização judicial para entrar na casa de alguém? Quem acham que são? Já está em tempo de parar de lacração e respeitar a Constituição! Toda solidariedade ao MST! Vamos lutar contra essa arbitrariedade”, escreveu o valente no Twitter.

Há revelações importantes na publicação de Orlando Silva. A primeira delas é saber que o deputado conhece o verbo “invadir”. Afinal, quando os bandoleiros do movimento defendido por ele entram sem convite em fazendas ou centros de pesquisa, o verbo escolhido é outro, bem mais suave: o vocábulo, brando e ameno, é “ocupar”. Além disso, descobrimos que, em casos assim, o comunista foi tomado de um inesperado senso de propriedade privada – outra grande surpresa, ao menos para o colunista. A indignação de Orlando Silva não para por aí.

Em outra publicação, na mesma rede social, Orlando Silva mostra revolta com a situação dos refugiados mundo afora, gente que foi obrigada a deixar seu lar para construir, do zero, vida nova em outros países. “Uma tragédia humanitária. A ONU estima que 110 milhões de pessoas foram obrigadas a se refugiar ou fazer deslocamentos em virtude de guerras, violência, perseguição política, entre outras questões. Hoje, há notícias que um naufrágio próximo à Grécia vitimou dezenas de pessoas, que teriam saído da Líbia em busca de condições de vida. O mínimo que se espera para tantos irmãos que sofrem é acolhimento digno. Migrar é um direito humano. Acolher é ato de respeito e amor”, escreveu ele.

Minha pesquisa pode ter sido insuficiente, mas procurei por manifestações de Orlando Silva condenando o atual regime venezuelano. Não encontrei. Estima-se que o êxodo do país governado pelo ditador Nicolás Maduro (recentemente recebido por Lula com todas as honras e homenagens) atinja, no mínimo, seis milhões de pessoas, algo comparável atualmente com o que acontece na Síria (um país em guerra há mais de uma década). Não satisfeito, o tiranete Maduro foi além. Como ele não tem aquilo que os ditadores cubanos têm – um mar infestado de tubarões, separando a ilha presídio de um país livre, como os Estados Unidos –, o déspota herdeiro do chavismo fechou fronteiras, para aprisionar a população dentro do próprio país. Para sair, os venezuelanos entregavam o pouco que tinham, para subornar guardas e soldados fiéis a Maduro.

Uma das poucas manifestações do deputado federal e ex-ministro sobre o tema (adivinhem!) critica o governo... Bolsonaro! “Na crise da Venezuela, o governo de Bolsonaro já passou de todos os limites. A seguir essa atitude insensata e irresponsável, será 'bucha de canhão' do governo Trump, e também responsável por mortes naquele país. Pior, o Brasil será humilhado, evidenciada sua fragilidade militar”, quando se cogitou uma impensada ação militar brasileira no país vizinho, algo que não foi adiante.

Uma frase que resume bem as manifestações de Orlando Silva pode ser aquela atribuída ao imortal jornalista Paulo Francis: “A melhor propaganda anticomunista é deixar um comunista falar”. O problema não é Orlando Silva dizer o que diz. O problema é que existem pessoas que o levam a sério. E alguns até votam nele.

 


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