Um dia saberemos a verdade?

Um dia saberemos a verdade?

Relatório concluiu que a origem mais provável para a pandemia de coronavírus tenha sido um vazamento, em um laboratório de Wuhan, na China

Guilherme Baumhardt

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Um relatório de inteligência do Departamento de Energia dos Estados Unidos concluiu que a origem mais provável para a pandemia de coronavírus tenha sido um vazamento, em um laboratório de Wuhan, na China. Não é o primeiro estudo apontando nesse sentido. E provavelmente não será o último. A conclusão apenas reforça aquilo que outras análises já sinalizavam, inclusive aquelas que descartaram a presença do vírus em animais da região (a primeira suspeita indicava morcegos e pangolins – uma espécie de tatu asiático – como hospedeiros da mutação do vírus e, portanto, a origem da Covid-19). O material foi publicado pelo Wall Street Journal – um dos raros veículos norte-americanos que não tinha chiliques quando o ex-presidente Donald Trump se referia ao “vírus chinês”.

Se há evidências cada vez mais robustas apontando para uma mutação produzida em laboratório, falta ainda a resposta principal: o vazamento foi acidental ou proposital? Se mesmo em países democráticos e livres governos por vezes tentam esconder a verdade, o que sobra para uma ditadura como a chinesa? Não se trata de teoria da conspiração, mas esclarecer a verdade, trazer os fatos à luz, para que a história não fique pela metade. Se ao longo destes pouco mais de dois anos foi possível apontar na direção de um vírus que passou por mutação em laboratório, o caminho para descobrir se o vazamento foi intencional é bem mais tortuoso.

A morte do médico que alertou sobre a existência do vírus é apenas uma amostra das barreiras existentes. Li Wenliang era oftalmologista e foi um dos primeiros a identificar o surto da então desconhecida Covid-19. Logo após o aviso feito por ele, a polícia chinesa iniciou uma investigação contra Wenliang e outros sete médicos, sob acusação de espalharem boatos a respeito da doença. Outro indicativo de que talvez não tenhamos uma resposta precisa sobre a origem do vazamento é o fato de a China esconder sistematicamente os números de contaminados e de mortes pelo coronavírus. Enquanto o mundo já havia ultrapassado a marca de mais de um milhão de mortes, os chineses ainda comunicavam 5 mil óbitos, um número inacreditavelmente baixo para o país de origem do vírus e cuja população chega a 1,4 bilhão de habitantes.

Períodos pós-guerra são de reconstrução. Quem paga a conta é, na maioria das vezes, quem perdeu o conflito. O que vivemos na pandemia se assemelha e muito a uma guerra de proporções mundiais. Milhões morreram, a economia do planeta parou, os sistemas produtivos foram desorganizados e os esforços foram concentrados no sentido de combater um inimigo comum: o coronavírus. Alimento a (vã?) esperança de que os verdadeiros responsáveis pela tragédia que vivemos sejam responsabilizados e paguem a conta. E antes que você comece a gritar “Bolsonaro genocida!”, pergunto: você teria coragem de chegar a Pequim e, a plenos pulmões, berrar “Xi Jinping assassino!?”. Não, é claro que não. Então, façamos as coisas com a seriedade que o tema merece, não com a narrativa que é mais conveniente.

Por aqui, no Brasil, seguimos à risca o manual da idiotice perfeita. Enquanto milhões foram às ruas para pular o Carnaval, trocando fluidos e sabe-se lá mais o quê (nenhum moralismo aqui, por favor), a Anvisa ainda obrigava passageiros a usarem máscaras nos aviões – outro item cuja eficácia é colocada em xeque mundo afora, em estudos sérios, mas que pouco repercutem por aqui. Fico imaginando a cena. O sujeito embarca em Porto Alegre, Curitiba ou São Paulo, rumo ao Rio de Janeiro, Salvador ou Recife. Durante o voo, máscara. Horas depois do desembarque, o mesmo sujeito está pulando junto ao Galo da Madrugada, a um trio elétrico ou na Marquês de Sapucaí, sem máscara, colado a uma centena de outras pessoas, mas com a certeza absoluta de que a Anvisa decidiu o melhor para ele.

O Brasil cansa.


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