Um dinossauro a menos

Um dinossauro a menos

A Carris, quem diria, está a caminho da privatização

Guilherme Baumhardt

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A decisão final caberá aos vereadores de Porto Alegre, mas se depender da Prefeitura da cidade estamos muito próximos de dar adeus a mais um mastodonte que se alimenta de dinheiro público. A Carris, quem diria, está a caminho da privatização. Ganham todos, exceto aqueles que ao longo de anos tornaram uma empresa pública uma espécie de quintal de casa. Uma espécie de “privatização” antes da verdadeira privatização.


Durante décadas, a companhia de ônibus serviu para aquilo que servem as estatais: atender interesses políticos, servir ao jogo de pressão de determinados sindicatos, garantir aos seus funcionários salários mais altos – na média – do que aqueles pagos pelas empresas privadas. Ou seja, um descompasso entre a realidade de mercado e o que ocorria na companhia pública. O resultado não poderia ser outro: dinheiro que deveria ser destinado à saúde, educação ou infraestrutura, não raras vezes, acabou sendo destinado a tapar o rombo nas contas da Carris. E o pagador de impostos ficou com menos saúde, menos educação e mais buracos nas ruas, mas tinha uma empresa de ônibus para chamar de sua. Estupidez? Total. Mas tem gente que vende essa ideia.


Apesar da concorrência de empresas privadas, o grande filé do transporte urbano sempre foi monopólio da Carris. As chamadas linhas T (de transversais), que não tem como destino final o Centro da cidade, mas atravessam a capital abarcando passageiros por onde passam, estiveram sempre sob o guarda-chuva da empresa pública. E, mesmo assim, ela operava no vermelho. Fruto da falta de gestão.


Alguns anos atrás, graças a uma matemática mágica e única, a estatal que fechou o ano no prejuízo conseguiu pagar bônus aos seus funcionários. Como? Difícil entender, mas em função da pressão de grupos de interesse, o que seria um bônus financeiro no caso de resultado positivo nas contas, se transformou em folgas e uma espécie de cota extra de férias. Uma ginástica argumentativa foi construída para que o benefício fosse concedido e a história pode ser resumida da seguinte maneira: já que o saldo na conta é vermelho, vamos dar um jeito de usufruir isso de outra maneira.


A privatização chega a tempo de evitar um colapso ainda maior da Carris. A pandemia ensinou muita gente e muitas empresas que o home office é possível. Em outras palavras: menos trabalhadores precisarão de deslocamento. Além disso, não haverá apenas o transporte por aplicativos – uma realidade há anos –, mas teremos também o que vi na Europa, em 2013, durante uma viagem: carros de aluguel para trajetos curtos e rápidos. Assim como ocorre com as bicicletas espalhadas pela cidade, o motorista baixa um aplicativo e com ele libera o uso de um carro por uma ou duas horas. Quase uma década atrás, os veículos em Paris já eram elétricos. Se não houver empecilhos tipicamente brasileiros, o serviço que já é oferecido em algumas cidades brasileiras deve se espalhar e ganhar escala, tornando-se mais acessível ao nosso bolso.
Não faltará gente para dizer que a Carris é um patrimônio de todos, que se trata de uma empresa estratégica e que privatizá-la é um crime de “lesa município”. O sermão é sempre o mesmo. Além dos “argumentos” acima, surge o já famoso “a estatal (escolha qualquer uma delas) é nossa!”. Sempre que ouço isso, minha resposta geralmente é a seguinte: bem, se é assim, a minha parte eu quero em dinheiro.


Os bons motoristas, cobradores, mecânicos e outros funcionários da Carris certamente serão absorvidos por outras empresas do ramo. Os que não são tão bons, precisarão melhorar. Ou mudar de profissão.


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