Um país sem líderes e referências

Um país sem líderes e referências

Reflexões sobre a ausência de líderes marcantes e a necessidade de diferenciação entre liderança verdadeira e messianismo no Brasil.

Guilherme Baumhardt

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O funeral da Rainha Elizabeth II reuniu aproximadamente 250 mil pessoas. Gente que esperou durante horas, em filas quilométricas, para se despedir da mulher que foi chefe de Estado durante sete décadas, enfrentando o pós-guerra, a Guerra Fria e outros duros períodos para o Reino Unido e o mundo. Ela não era política, não disputou votos, mas tinha como missão – uma entre tantas – garantir a estabilidade da nação.

No Brasil, apenas esportistas conquistaram reconhecimento similar na hora da morte. Ayrton Senna foi o principal deles – e lá se vão quase trinta anos. Mais recentemente, Pelé. Ainda assim, no caso do Rei do Futebol, algumas ausências indicam um problema a ser corrigido no país. Quando um gigante como Edson Arantes do Nascimento deixa este plano e figuras como Ronaldo, Romário e Neymar não comparecem ao velório, uma luz de alerta se acende. Ou deveria.

Talvez nossa maior dificuldade seja estabelecer a diferença entre a liderança marcante e que merece ser para sempre lembrada, daquilo que no imaginário popular se aproxima muito mais de uma figura messiânica. São coisas distintas. A primeira é uma necessidade – e um problema a ser resolvido no Brasil. A segunda guarda riscos e armadilhas.

O primeiro passo talvez seja reconhecer que homens e mulheres são passíveis de erros. Nenhum de nós é bom o tempo todo. Não somos infalíveis. Cometemos deslizes e até pecados. O que diferencia os verdadeiros homens, dignos e honrados, dos demais é a capacidade de reconhecer as falhas e não incorrer novamente nos mesmos equívocos. E aqui está a primeira pista para tentarmos decifrar as razões pelas quais nenhum político brasileiro hoje teria um funeral como Senna, Pelé ou Elizabeth II.

Na árdua tarefa de separar líderes verdadeiros de messiânicos baratos, um bom exemplo talvez seja o de Winston Churchill. Venerado e reconhecido até hoje pelo papel que exerceu durante a Segunda Guerra Mundial, o ex-primeiro-ministro do Reino Unido não era perfeito. Mas ele e a Inglaterra souberam que ele era o homem certo, na hora certa. Diante de uma postura frágil e equivocada (o antecessor Neville Chamberlain durante muito tempo apostou que sucessivas concessões fariam Adolf Hitler parar), Churchill foi o responsável, entre outros feitos, por manter vivo um país, injetar a coragem que faltava e tornar o Reino Unido uma força capaz de resistir ao nazifascismo.

Anos mais tarde, o mundo era outro e os desafios, também. Churchill não era mais o líder que o Reino Unido precisava em tempos de reconstrução, com a consolidação do mundo em dois blocos e o recrudescimento da Guerra Fria. Isso, porém, não trouxe manchas às bonitas e importantes páginas das quais ele foi protagonista.

Reconhecido mundialmente, Winston Churchill é motivo até hoje de orgulho para os britânicos e o planeta.

E no Brasil? Se levarmos em consideração o número de ruas, avenidas, praças e parques espalhados país afora, nosso equivalente seria Getúlio Vargas. Um sujeito que conseguiu quebrar a hegemonia política do Sudeste, mas que no poder adotou receituário semelhante ao dos antecessores. Ditador, perseguiu opositores e censurou críticos. Habilidoso, soube surfar entre aproximações e investidas dos países Aliados e do Eixo.
Ao final, pesou o poderio norte-americano e nossos pracinhas da Força Expedicionária Brasileira desempenharam papel fundamental no combate a nazistas e fascistas. Mas não pela convicção presidencial. Se dependesse da simpatia do governo getulista, muito provavelmente o lado escolhido seria o outro, dos países do Eixo – a deportação de Olga Benário e a inspiração fascista da CLT brasileira são apenas alguns indicativos. Mesmo somando todos os “troféus”, nem de longe Getúlio poderia ser comparado a Churchill.

Pelos valores – ou pela falta deles. Em suma, falta ao Brasil um líder, que possa servir de inspiração ao país. E, antes que os petistas e a esquerda se animem, escrevo: este líder definitivamente não é Lula. 


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