Uma vida estatal

Uma vida estatal

É um retrato jocoso da ineficiência estatal, impulsionada pelos piores incentivos: estabilidade de emprego, o sepultamento da (boa) ambição, a tendência de sempre nivelar as coisas por baixo, não pela excelência

Guilherme Baumhardt

publicidade

Há uma velha piada alusiva à extinta União Soviética que diz mais ou menos o seguinte. Em uma bela manhã, em Moscou, um russo recebe uma ligação. É da concessionária Lada, avisando o sujeito que ele deveria comparecer à loja, dentro de três anos, quatro meses e cinco dias, pontualmente às 10 horas da manhã. O carro comprado por ele tinha data e hora para ser entregue. O russo ouve atentamente, pega o calendário e pergunta: “Não poderia ser à tarde?”. Do outro lado da linha vem a pergunta: “Por quê?”. E o sujeito responde: “É que neste mesmo dia e horário o encanador vem aqui em casa para consertar um vazamento”. É um retrato jocoso da ineficiência estatal, impulsionada pelos piores incentivos: estabilidade de emprego, o sepultamento da (boa) ambição, a tendência de sempre nivelar as coisas por baixo, não pela excelência.

O atual ministro do Trabalho, o sindicalista Luiz Marinho, pelo visto injetou doses cavalares de inspiração soviética e resolveu ligar o motor do estatismo. Durante entrevista sobre os aplicativos de transporte e entrega (Uber a afins), o ex-presidente da CUT defendeu mais uma vez a regulação do setor – uma fixação da esquerda. Estamos tratando de uma relação entre privados, em mais uma demonstração da força do livre mercado. Mas Marinho quer impor regras, leis, diretrizes, mandamentos. Ou seja, quer meter a colher do Estado naquilo que está funcionando.

Se a Uber ou qualquer outra empresa precisar assinar a carteira de trabalho dos motoristas, ela deixa o país. Estima-se que hoje existam aproximadamente 1,4 milhão de motoristas na plataforma. Quantas empresas possuem um quadro de funcionários celetistas com este número? No Brasil, nenhuma. Ninguém é obrigado a cumprir horário, bater ponto. Os profissionais trabalham quando querem, na hora que bem entenderem. Para alguns é um complemento de renda, para outros a atividade é a principal fonte de receita. E se fosse adotada uma saída intermediária, com alguns encargos e restrições? Fácil: tudo aquilo que representar custo vai parar no preço final e será repassado aos passageiros. Viajar custará mais caro, menos gente vai utilizar o serviço e motoristas perderão corridas. Todos perdem. Menos o governo.

A ideia sem pé e cabeça fica ainda melhor. Marinho disse que se as empresas desistirem do Brasil ele solicitará aos Correios (segure o riso) um aplicativo semelhante. Minutos depois da bobagem dita pelo ministro, as redes foram inundadas com memes que trouxeram um choque de vida real. Um deles dizia: “Seu carro está a caminho. Neste momento ele se encontra em Curitiba, no CD (centro de distribuição, local onde boa parte das correspondências permanecem por longos períodos)”. Outro dizia: “Chame a corrida. E prepare-se para nunca chegar ao destino”. Triste realidade de uma empresa que já foi admirada pela população, mas virou motivo de deboche e cabide de emprego, tomada pelo sindicalismo jurássico que diz representar os trabalhadores.

Se a ideia é melhorar o serviço e a remuneração dos motoristas, o caminho é o inverso. Abram concorrência. Deixem que motoristas e passageiros escolham o melhor aplicativo. É assim nos Estados Unidos e na Europa. Aqui há menos opções, mas elas existem. Simplifiquem a vida de quem é taxista e deixem que a disputa aconteça com paridade de armas. Reduzam impostos, do IPVA aos combustíveis. Todo mundo agradece. Só não tentem reinventar a roda. Ela já existe e gira. Roda estatal tem tudo para nascer quadrada.

Sigilo

Toda pessoa minimamente decente quer saber quem danificou e vandalizou prédios públicos, em Brasília, no dia 8 de janeiro. A tarefa agora ficou mais difícil. Por decisão do atual governo federal, as imagens agora estão protegidas por sigilo. Direito de pergunta: há algo a esconder? Pelo visto não bastou barrar a tentativa de CPI sobre o assunto.


Mais Lidas

Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895