A ameaça coreana

A ameaça coreana

Bem, aí começaram os grandes obstáculos.

Jurandir Soares

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Esta quinta-feira, 27, assinalou os 70 anos da assinatura do armistício que pôs fim à guerra da Coreia, travada de 1950 a 1953. Tendo em vista que nunca foi assinado um acordo de paz, teoricamente, os dois países seguem em guerra. Muitas tentativas de reaproximação foram desenvolvidas ao longo destas sete décadas, mas nunca se chegou a um denominador comum. Isto porque esta nação, que até 1945 era uma só, hoje está dividida e apresenta diferenças profundas. Se de um lado temos, ao Sul, um país capitalista, em franco desenvolvimento, que se tornou uma potência mundial no setor automobilístico e outros afins, e onde vigora a mais plena liberdade para falar, deslocar ou empreender, do outro se tem uma ditadura comunista, fechada, com uma economia controlada pelo Partido Comunista, que controla também a vida dos cidadãos, os quais podem ir presos se não aplaudirem uma autoridade em um evento ou não chorarem no enterro de uma delas.

Mas até aqui estamos tratando de regimes diferentes. O problema é o perigo que um desses regimes representa. No caso, a Coreia do Norte, cuja ditadura vem sendo passada de pai para filho, sendo o hoje ocupante do mandato, Kim Jong-un, uma figura extremamente perigosa. Ele comemorou os 70 anos do armistício exibindo mísseis balísticos para o ministro da Defesa da Rússia Serguei Shoigu. A inconfiabilidade de Kim e sua aliança com a Rússia e com a China se constituem em grande ameaça para a Coreia do Sul e para o Japão. Não sem razão que os Estados Unidos tem realizado treinamentos conjuntos com esses países. Aliás, Japão que era quem tinha a posse da Coreia quando esta ainda era unificada. Foi a partir da derrota japonesa na Segunda Guerra, em 1945, que os vencedores, Rússia e Estados Unidos, resolveram dividir o país entre si, com cada um implantando sua respectiva ideologia e sistema econômico na parte que lhe tocava. Foi a partir daí que foram se criando as diferenças entre os dois países, as quais só se acentuaram com o tempo.

Foram essas diferenças profundas que impediram a reunificação, embora as múltiplas tentativas desenvolvidas ao longo destes 70 anos. Essas ações ganharam impulso em abril de 2018, com o encontro entre os presidentes da Coreia do Norte, Kim Jong-un, e da Coreia do Sul, Moon Jae-in. E ganharam força com o discurso de Kim Jong-un feito na passagem daquele ano, quando disse para o então presidente dos EUA, Donald Trump, que ainda tinha o botão nuclear à sua frente, mas que mandava uma mensagem de paz aos que chamou de “Irmãos do Sul”. A partir dali começou um processo de distensão, cujo ponto alto foi a participação de uma delegação conjunta das Coreias nos Jogos Olímpicos de Inverno. O fato emocionou o mundo, assim como um encontro de famílias do Norte e do Sul que estavam separadas desde que se estabeleceu a divisão do país. Além do encontro entre Trump e Kim na zona desmilitarizada entre as duas Coreias.

Passou-se então a falar na desnuclearização da Coreia do Norte e na reunificação dos dois países. Bem, aí começaram os grandes obstáculos. Kim iria aceitar o desmantelamento total de seu arsenal como querem os EUA? O que ele demonstrou aceitar foi um congelamento no atual programa. Os EUA iriam aceitar o fim das manobras militares que realiza na região com a Coreia do Sul e Japão? Estes pontos foram alvo de negociações que nunca avançaram. E tudo voltou à estaca zero em fevereiro de 2019, na cúpula de Hanói, quando Donald Trump e Kim Jong-un se separaram sob o mais espalhafatoso desacordo. James Lindsay, diretor do Stimson’s 38 North, grupo altamente especializado em Coreia do Norte, disse em um podcast: “Os norte-coreanos insistem para que os EUA os reconheçam como potência nuclear, o que Washington jamais faria, porque isso arrebentaria com sua política de não proliferação”. Na avaliação de Lindsay, a situação piorou no ano passado quando Pyongyang anunciou que mudou o estatuto do seu arsenal nuclear. A bomba não é mais um instrumento de dissuasão, que desestimula a invasão do território por um inimigo. É bem mais que isso. Virou um instrumento de defesa a ser utilizado em caso de ameaça eminente. Ou seja, os norte-coreanos podem puxar o gatilho caso subjetivamente acreditem que os ocidentais têm más intenções contra eles.

Depois daquele encontro na capital vietnamita, outra mudança importante foi a do governo sul-coreano. De mais liberal, é hoje mais conservador. Um dos efeitos da mudança está na discussão sobre a hipótese de Seul hospedar em seu território um pedaço do arsenal nuclear americano. Ou então, dispensando intermediários, produzir sua própria bomba atômica. Enquanto isto, a Coreia do Norte, que já realizou sete testes nucleares, segue desenvolvendo seus mísseis de longo alcance, que podem cruzar o Pacífico, portando dispositivo nuclear e atingir o território norte-americano, entre outros. Sem contar as facilidades para atingir a vizinha do Sul ou o Japão. Aliás, nos testes que são realizados com esses mísseis, eles seguidamente passam por sobre o território do Japão para cair no mar. Então, o regime de Pyongyang é hoje uma ameaça não só para a península coreana, mas para boa parte do mundo.

Nota: Hoje tenho a alegria de estar completando 80 anos e de ter a bênção de continuar contando com os leitores do Correio do Povo e os ouvintes da Rádio Guaíba, além do convívio com colegas de trabalho, amigos e familiares.


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