A demora da contraofensiva e as exigências de Putin

A demora da contraofensiva e as exigências de Putin

Nesse ponto, Putin parece ter colocado seus opositores numa sinuca de bico.

Jurandir Soares

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Um dos motivos de o presidente Volodimir Zelensky ter demitido o seu ministro da Defesa, Oleksii Reznikov, é a demora com que está se dando a contraofensiva que a Ucrânia lançou contra a Rússia, em junho último. Decorrido todo este tempo, até agora o avanço das tropas ucranianas foi muito pequeno. Analistas militares do Instituto Internacional de Estudos Estratégicos, sediado em Londres, apontam dois fatores para isto. São eles a demora e a previsibilidade. Consideram que a Ucrânia demorou muito tempo na preparação de sua reação. Além disto, escolheu o trajeto mais óbvio. Com a escolha do trajeto óbvio, que era por Zaporizhia, evitaram o fator surpresa, que é fundamental numa ofensiva. Vide o exemplo dos Aliados na Segunda Guerra Mundial, que surpreenderam os alemães atacando pela Normandia, quando esses esperavam o ataque por Calais.

Com a previsibilidade e com a demora, os russos tiveram tempo para se articular, enchendo de minas terrestres o caminho a ser percorrido e posicionando a artilharia como fator de suporte.

O demitido ministro da Defesa Reznikov alega que a demora se deu porque estavam esperando a chegada dos tanques de última geração fornecidos por Estados Unidos, Alemanha, Polônia e outros membros da Otan. Porém, o resultado foi desastroso. Ucrânia perdeu uma enorme quantidade desses tanques, além de um número considerável de soldados, ao enfrentarem os campos minados no previsível trajeto. O fator zero surpresa teve um custo alto. Mesmo assim, um pequeno avanço foi conseguido, com a recuperação do vilarejo de Robotini, na região de Zaporizhia. Com isto, poderia estar sendo rompida a primeira linha de defesa da Rússia que, segundo os analistas do IISS, é sempre a mais forte, e poderia ocorrer um avanço mais rápido, compensando os dois meses e meio levados nesta primeira ação. E ainda de acordo com os mesmos analistas, uma segunda linha de defesa já não será tão forte como a primeira, o que pressupõe um avanço mais rápido. Além disto, a Rússia teria que mobilizar novos contingentes para a área, com mais desgaste para o governo Putin. Todavia, a estratégia a ser empregada agora depende do novo ministro da Defesa, Rustem Umerov, um ex-deputado com origem política na Crimeia, área que foi tomada pela Rússia em 2014 e que ele tem como missão recuperá-la. A julgar pelas atividades que ele vinha desempenhando, estava um tanto afastado das estratégias militares, pois era chefe do fundo de privatizações da Ucrânia. Ele também foi um dos participantes das fracassadas negociações de paz que foram desenvolvidas logo após o início da guerra, ocorrido em fevereiro de 2022. Quem sabe ele se volta mais para as atividades de negociador e consiga fazer as partes voltarem à mesa!

Falando em voltar à mesa de negociações, quem está em ação mais uma vez como mediador é o presidente da Turquia, Recep Tayiyp Erdogan, buscando restabelecer o acordo para o transporte de grãos pelo Mar Negro. Ele reuniu-se nesta segunda-feira com Putin, no balneário de Sochi, o preferido do presidente russo, situado no mesmo Mar Negro. Erdogan, que é presidente de um país membro da Otan, defendeu a posição de Putin para a renovação do acordo. O líder russo defende a renovação do acordo desde que a Rússia também possa exportar seus grãos e insumos agrícolas, o que está inviabilizado pelas sanções impostas pelo Ocidente.

Pouco antes de encontrar-se com Erdogan, Putin mandou um sutil recado a Zelensky, bombardeando instalações do porto de Odessa, que é por onde a Ucrânia exporta seus produtos através do Mar Negro. Também foi bombardeado o porto de Izmail, no rio Danúbio, por onde a Ucrânia igualmente exporta. Ou seja, a situação parece ter ficado muito clara nesse ponto: ou Zelensky e seus parceiros do Ocidente abrem para as exportações russas ou a Ucrânia fica sem exportar e ainda com suas instalações sob constantes bombardeios russos. Nesse ponto, Putin parece ter colocado seus opositores numa sinuca de bico.

Assim é que, enquanto a Ucrânia busca deixar de se arrastar na sua contraofensiva, se vê atolada nas exigências de Putin para o acordo de grãos. E como se não bastasse, Putin faz novas e escancaradas ameaças ao Ocidente, ao anunciar que as forças russas poderão realizar manobras militares com a Coreia do Norte e com a China. O que significa um contraponto às manobras que os Estados Unidos vêm realizando com Japão e Coreia do Sul, justamente, para um possível enfrentamento com os dois países comunistas asiáticos, na conturbada área do mar indochinês. Estes são os mais recentes movimentos das peças neste conturbado jogo de xadrez internacional. Um jogo com múltiplos atores, mas quem está sofrendo mesmo é só um: o povo ucraniano.


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