A guerra e a paz

A guerra e a paz

Putin detalhou, no início da semana, o que quer para parar com a guerra.

Jurandir Soares

publicidade

Enquanto a guerra ganha mais um episódio marcante, negociadores sentam-se ao redor de uma mesa para buscar a paz. Isto é o que está acontecendo com o conflito ucraniano. Nesta quinta-feira a Ucrânia conseguiu dar um golpe na Rússia, ao fazer com que um drone marítimo, carregado com 450 quilos de TNT, explodisse contra um navio de transporte da Marinha russa no Mar Negro. O navio Olenegorski Gorniak, avariado, acabou sendo rebocado para o porto de Novorossisk. Isto depois de três dias de ataques com drones aéreos em Moscou, contra prédios suntuosos do setor financeiro da capital russa. E nestes sábado e domingo representantes de cerca de 40 países se reúnem em Jedah, na Arábia Saudita, para analisar um plano de término do conflito elaborado pelo presidente Volodimir Zelensky. Um encontro com as presenças de representantes dos Estados Unidos, da União Europeia e dos Brics, onde se inclui o diplomata chinês Li Hui, cuja presença está sendo muito saudada. Afinal, a China, que tem sido vista mais como pró-Rússia, se soma às negociações.

Já disse e repito que esta reunião, embora o significativo número e expressão dos países participantes, não tem possibilidade de prosperar, simplesmente, porque não tem a participação de um representante da Rússia. Além do mais, os planos de paz que têm apresentado os presidentes Zelensky e Putin são diametralmente opostos. Senão, vejamos. No sábado passado Zelensky reuniu os representantes diplomáticos em Kiev e esboçou seu plano, que tem como ponto principal a retirada russa de todos os territórios ocupados, incluindo a Crimeia que fora tomada em 2014. Além disto, quer segurança para os transportes de grãos e outros produtos pelo mar Negro, segurança nuclear, a libertação dos presos e a criação de um tribunal para julgar os crimes de guerra cometidos pelos russos.

De sua parte, o presidente Putin detalhou, no início da semana, o que quer para parar com a guerra. E neste elenco se inclui a neutralidade da Ucrânia, ou seja, não fazer parte da Otan; desarmamento ucraniano; proteção aos russos na Ucrânia; desnazificação da Ucrânia; negociação cara a cara com Zelensky; e posse da Crimeia e da região do Donbas. Ou seja, tudo que um quer bate de frente com as pretensões do outro. Assim, por mais que os participantes do encontro estejam imbuídos da vontade de buscar a paz, este caminho não é vislumbrado.

O único ponto em que se vislumbra uma possibilidade de ser apresentado a Putin e ser aceito é o que diz respeito à segurança no transporte de grãos. Isto porque este tema é do interesse de todos. Da Ucrânia e da Rússia que são produtores e querem vender sua mercadoria, e dos demais países, que são consumidores e precisam do produto para alimentar seus respectivos povos. Além disto, o bloqueio provocou uma alta no preço dos cereais. Para isto, no entanto, conforme já salientou Putin, é preciso reciprocidade, ou seja, garantia de segurança tanto para o que sai da Ucrânia, como para o que sai da Rússia. Para a Rússia, a garantia de segurança no transporte pelo mar Negro evitaria outro episódio como o ataque desta quinta-feira a um navio de sua marinha por um drone marítimo ucraniano. Já para a Ucrânia representaria evitar um ataque russo como o ocorrido nesta quarta-feira, com o bombardeio a silos no porto de Odessa, que teria destruído cerca de 40 mil toneladas de produto. Um produto que, diga-se de passagem, se destinaria aos países do chamado Sul Global, cuja presença está sendo saudada na reunião. Os destaques desses países são justamente os integrantes dos Brics Brasil, Índia, China e África do Sul. O outro membro do grupo é justamente a Rússia, que está fora. Mas, como esses países são vistos como muito próximos às posições de Moscou, sua presença ganha relevância.

Embora não estando presente em Riad, a Rússia se manifestou através do porta-voz do Kremlin, Dmitri Peskov: “Resta ver que objetivos serão estabelecidos e de que maneira planejam realmente falar os organizadores. Temos ressaltado que qualquer intento de contribuir de alguma maneira para um acordo pacífico merece avaliação positiva”. Esta manifestação não deixa de transparecer a vontade russa de acabar com a guerra. Afinal, o que era para ser uma “operação militar especial”, que duraria, no máximo, duas semanas, com a tomada de Kiev, a destituição de Zelensky e a colocação de um aliado de Moscou em seu lugar, já dura quase um ano e meio, com enorme desgaste em termos de vidas e equipamentos, além das sanções que pesam sobre o país. Não é menor a vontade de Zelensky de terminar com a guerra. O “pequeno” problema envolve as diferenças de condições impostas por um e por outro. Mas, se do encontro de Jedah resultar um novo acordo de segurança para o transporte de grãos, já será um ponto positivo.

 


Mais Lidas

Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895