A motosserra de Milei

A motosserra de Milei

Equipamento foi símbolo durante a campanha do atual presidente argentino

Jurandir Soares

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Um dos símbolos da campanha de Javier Milei à presidência da Argentina era a motosserra. Representava o instrumento que ele iria utilizar para cortar as contas públicas, sua principal meta em busca da recuperação de um país que ele assumiu tendo a maior inflação da América Latina, fazendo com que os gêneros de primeira necessidade tivessem reajustes diários, com a consequente perda de poder aquisitivo da população. Uma população cujo índice de pobreza já beira os 60%, segundo o Observatório da Dívida Social da Universidade Católica de Buenos Aires. Embora todos os protestos e obstáculos interpostos por aqueles que se acostumaram a viver das benesses do estado, Milei teve o que comemorar esta semana, quando completou 100 dias de governo. A inflação, que subira 25,5% em dezembro, teve alta menor em janeiro, 20,6%. E mais baixa ainda em fevereiro, 13,2%. É claro que ainda é muito alta, mas está subindo cada vez menos. Ou, está caindo.

Em janeiro, ele pôde expor, pela primeira vez em 12 anos, um superávit financeiro no país. Uma das chaves para alcançar este superávit foi o corte de 86,3% de investimentos em obras públicas, segundo dados da Associação Argentina de Orçamentos e Administração Financeira Pública. Esse corte implicou, logicamente, na paralisação de muitas obras. Em dezembro de 2023, ficaram pelo caminho 2117 projetos que deixaram de ser executados por falta de verba. Com isto teve que bater de frente com a Câmara Argentina da Construção, a qual, já durante a campanha eleitoral, ele chamava de Câmara Argentina da Corrupção. Aliás, aqui no Brasil a agora desmontada Operação Lava Jato mostrou como este esquema das construtoras funcionava. Uma das poucas obras autorizadas é a do Gasoduto do Norte, obra da estatal Energia Argentina, Enarsa, que deve levar o gás da jazida de Vaca Morta até Buenos Aires. Com isto será dispensada a importação do produto que vem da Bolívia. Aliás, este projeto é para ser estendido, posteriormente, até Uruguaiana para fornecer gás ao Brasil.

Para começar a alcançar resultados, Milei teve que afrontar o velho e ineficiente sistema econômico vigente no país, ressaltando que não há lugar para déficit fiscal, não importando onde se corta para alcançar a meta. Tampouco há lugar para um estado regulador e onipresente. Ressaltando sempre a sua frase que faz tremer metade da Argentina: “se for por mim, privatizo tudo”. Numa afronta ao que ele chama de a “casta” que se opõe a seus planos. Algo que também ressaltou muito durante a campanha. O fato é que a batalha central de Milei é econômica, onde tem um triplo objetivo: alcançar o equilíbrio fiscal, baixar a inflação e desregulamentar a economia para que os preços de bens e serviços se tornem reais. Acredita o presidente que com estes objetivos alcançados será possível atrair o investidor estrangeiro. Agora, para ajudar a controlar a inflação, Milei autorizou a importação, sem tarifas, de produtos da cesta básica.

Como era de se esperar, o governo Milei tem sido alvo de múltiplos protestos. Os quais têm sido reprimidos pela polícia, com base em medida do governo proibindo aglomerações. Porém, mais do que combater aglomerações, Milei precisa de articulação no Parlamento. Pois, seu partido Liberdade Avança tem minoria na casa. E foi por não conseguir articulação política que o então presidente liberal Maurício Macri não conseguiu avançar com seus projetos. O fato é que o efeito motosserra pegou os subsídios que eram fornecidos à energia e ao transporte. Com isto a luz teve um incremento de 165%, enquanto a passagem de ônibus passou de 52,96 pesos para 270 pesos.

A revista The Economist fez uma matéria especial sobre os 100 dias do governo Milei, definindo o mesmo como um “outsider irascível”, que conquistou alguns êxitos econômicos, porém, com custos brutais. A publicação reconheceu a herança que recebeu. Ou seja, um estado inflado que padecia de enormes déficits orçamentários, financiados mediante a emissão de dinheiro, por consequência, fomentando a inflação. O governo devia 263 bilhões de dólares a credores estrangeiros, incluindo 43 bilhões de dólares ao FMI. E ressaltou: “Como muitos governos argentinos, o anterior, de Alberto Fernandez, gastou muito mais do que arrecadava, buscando comprar sua popularidade”. Foi para reverter este quadro que Milei colocou sua motosserra em ação.


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