A ponte, os cereais e as bombas

A ponte, os cereais e as bombas

Interromper esta trajetória e bloquear a passagem russa pelo estreito de Kerch em direção à Crimeia.

Jurandir Soares

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Como a contraofensiva ucraniana está esbarrando nas minas que os russos espalharam pelo caminho, a solução para abalar o moral de Vladimir Putin foi atacar a ponte que liga a Crimeia ao território russo. Esta é uma dedução que se pode fazer a respeito dos mais recentes acontecimentos da guerra na Ucrânia. O ataque à ponte, repetindo o que já fora feito a 8 de outubro passado, atinge o principal ponto de ligação com o território russo, por onde passam os suprimentos para os combatentes. E o fato acontece no mesmo momento em que a Rússia se manifesta contrária à prorrogação do acordo que permite a saída de cereais da Ucrânia. Essa ponte tem não só uma importância estratégica muito grande para a Rússia, como também um aspecto de muito orgulho para Putin, que a inaugurou em 2018, dirigindo garbosamente um caminhão ao longo dos seus 19 quilômetros. Portanto, atingir a ponte significa, indiretamente, atingir a Putin.

Um dos principais objetivos da contraofensiva que a Ucrânia está desenvolvendo, desde o início de junho, é cortar a passagem das tropas russas pelo corredor terrestre que se estende pelas margens do Mar de Azov. Interromper esta trajetória e bloquear a passagem russa pelo estreito de Kerch em direção à Crimeia. Ações que dificultariam e muito a presença russa na Ucrânia. Ao mesmo tempo, impediriam o envio de suprimentos para os soldados que estão nas regiões de Zaporizyia e Kherson. A estratégia demonstrada por Kiev seria avançar suas tropas até as cercanias da Crimeia. O entendimento de Zelensky, revelado à cadeia norte-americana CBS, é, com esta ação, forçar Putin a dialogar. Algo que não parece muito viável, e também que demonstraria uma mudança de postura por parte de Zelensky, tendo em vista que sempre tem afirmado que só negociaria depois da retirada total das tropas russas do território ucraniano.

Em meio a essas ações, o presidente turco Recep Tayyip Erdogan saiu a campo para tentar salvar o acordo que permite a saída por mar das exportações ucranianas de cereais. Erdogan foi o mediador do acordo e de uma renovação já ocorrida. Seu interesse, além de projetar-se no cenário internacional como um negociador da paz, é manter o recebimento por seu país do cereal ucraniano. Mas não é só a Turquia que se preocupa. Uma série de outros países pode ter agravada a crise de alimentos se os portos ucranianos forem fechados. Daí a mobilização que tem também como negociador a ONU. A não renovação do acordo por parte de Putin seria uma represália pela explosão da ponte.

E ainda com vistas a reforçar sua contraofensiva, Zelensky está cobrando dos Estados Unidos o envio de caças F-16. O presidente Joe Biden já prometeu este envio, porém, está reticente em função de Putin ter declarado que a sua utilização significaria uma declaração de guerra à Rússia por parte dos EUA. É claro também que isto faz parte da retórica de guerra. Mas, segundo consta, alguns desses aviões de combate, que poderão fazer uma enorme diferença na guerra, já estariam na Polônia para treinamento de pilotos ucranianos. E o que a Ucrânia já recebeu dos EUA nos últimos dias são as contestadas bombas de fragmentação. O uso desse tipo de armamento é proibido por mais de cem países, que aderiram à Convenção de Munições de Fragmentação de 2008. A contestação é porque ao explodir essa bomba mata indiscriminadamente. Zelensky justificou o seu uso pelo fato de a Rússia já estar utilizando em suas ações na Ucrânia, inclusive em áreas civis, o que teria sido constatado por alguns organismos internacionais. Aliados de peso da Ucrânia e dos EUA, como Alemanha, França, Reino Unido, Espanha e Canadá, contestaram o envio dessas bombas para a Ucrânia. Os EUA, segundo a CNN, teriam exigido por escrito da Ucrânia a não utilização dessas bombas em áreas civis. Enfim, estes são os mais recentes desdobramentos desta guerra que não tem perspectiva de terminar.


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