As verdades de Lacalle Pou

As verdades de Lacalle Pou

Jurandir Soares

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O presidente uruguaio, Luis Lacalle Pou, foi considerado a voz dissonante na reunião desta terça-feira, em Buenos Aires, da Celac, a Comunidade dos Estados Latino-Americanos e Caribenhos. Eu diria que foi a voz mais coerente daquele encontro em que líderes, como o brasileiro Lula e o argentino Alberto Fernández, teceram loas à democracia, criticaram a “direita reacionária e fascista”, porém não disseram uma palavra sobre as ditaduras de Cuba, da Venezuela e da Nicarágua ali representadas. Fernández qualificou como “imperdoável” o “bloqueio de mais de seis décadas vivido” por Cuba, assim como criticou o bloqueio à Venezuela, salientando que “é preciso se colocar contra isso”. Lula foi na mesma linha dizendo que “os cubanos escolheram seu caminho”. Nenhum fez a mínima menção ao que tanto dizem defender e que realmente tem que ser feito, que é a democracia. Nenhum indagou por que 5 milhões de venezuelanos já deixaram seu país, buscando sobreviver nos próprios países governados por Fernández e por Lula, apesar de todas dificuldades locais. Nem perguntaram por que tantos cubanos morrem no mar, em precárias embarcações, tentando chegar aos Estados Unidos. Ninguém indagou por que em Cuba só tem um partido político e na Venezuela a oposição desistiu de participar das eleições. Por que nesses países a voz dos opositores é sufocada pela força da repressão? 

Na realidade, são regimes reiteradamente acusados de abusos e violações dos direitos humanos, incluindo a perseguição a opositores e dissidentes. Aliás, o ditador venezuelano Nicolás Maduro não foi ao encontro com medo de, no mínimo, ter que prestar depoimento perante a Justiça. Ele se justificou dizendo que não foi a Buenos Aires “por questões de segurança”, diante “das permanentes conspirações e ameaças”. Na realidade, a oposição argentina liderada pela presidente do PRO, Proposta Republicana, de centro-direita, Patrícia Bullrich, havia pedido a prisão de Maduro, caso pisasse em solo argentino, por crimes de lesa humanidade.

Já o uruguaio Lacalle Pou criticou a ideologização do grupo dizendo: “Não pode haver aqui um clube de amigos ideológicos. É na diversidade que estará a força desta organização”. E foi contundente ao dizer: “A declaração da Celac fala de respeito à democracia, aos direitos humanos e do cuidado às instituições, mas, claramente, existem países aqui que não respeitam nem as instituições, nem a democracia, nem os direitos humanos”. O presidente de centro-direita disse que “não é necessário ser de esquerda para defender a democracia”. Ou seja, pelo menos uma voz lúcida em meio a tantas outras fanatizadas ideologicamente.

Outro alvo de críticas do presidente uruguaio foi o Mercosul, que estaria impedindo que “o Uruguai se abra ao mundo”. Numa referência aos acordos que o seu país está costurando com a China e com a Nova Zelândia. Vale lembrar que, recentemente, ele apresentou pedido de ingresso formal no CPTPP, Acordo Abrangente e Progressivo de Parceria Transpacífica, formado por 11 países da Ásia e da América, entre os quais Chile e Peru. O Uruguai busca outros caminhos porque o Mercosul não decola. E isto acontece devido, em grande parte, à Argentina. Como acontece, por exemplo, com a possibilidade de um acordo do bloco com a União Europeia. Há muito que se discute isto. O Brasil teria condições de atender às exigências do dito acordo, porém a Argentina não. O que tem sido o entrave. Mas a petulância argentina não para. Veio na palavra do ministro da Economia, Sergio Massa, dizendo que o Uruguai é um “irmão menor” a quem Brasil e Argentina deveriam “cuidar”. É preciso salientar que o Mercosul está anos-luz de distância da União Europeia. Basta ver um das questões mais simples. Um cidadão para ir de um país ao outro, ao cruzar a fronteira precisa preencher um boletim de imigração.

Mas nem tudo foi negativo na efusiva reunião da Celac. A exceção da incoerência quanto à democracia, Lula ressaltou o que devem ser princípios básicos da organização, que “é um bloco que não está sob tutela estrangeira e por isso deve se unir em prol dos desafios globais, como defesa do meio ambiente e povos originários, igualdade de gênero, segurança alimentar e energética e o enfrentamento da pobreza e da fome”. Tudo isto poderia ser desenvolvido com credibilidade se houvesse coerência no bloco. O que só ocorrerá se ouvirem Lacalle Pou.


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