Confrontação Rússia-EUA na África

Confrontação Rússia-EUA na África

Foi decretado o fechamento das fronteiras, a suspensão da constituição e a proibição de atividades de quaisquer partidos políticos.

Jurandir Soares

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Apesar da indefinição com relação à guerra que está sendo travada na Ucrânia, Estados Unidos e Rússia estão se colocando novamente em lados opostos, desta vez no conflito que está sendo travado no Níger. O país sofreu há duas semanas um golpe de Estado, que desbancou o presidente constitucionalmente eleito Mohamed Bazoum. E o interesse das duas potências está no fato de que o dirigente deposto sempre teve uma tendência pró-Ocidente, enquanto o líder do golpe, o general Abdourahamane Tchiani, quer a ligação do país com a Rússia. Mas não são apenas as potências que estão envolvidas com a situação daquele país de 25 milhões de habitantes. Os vizinhos também estão. E já venceu o ultimato que o grupo liderado pela Nigéria deu para que devolvam o poder ao governo democraticamente eleito, caso contrário, invadiriam o país. Seria mais uma guerra por procuração entre Washington e Moscou.

Os Estados Unidos vinham tendo no Níger, sob o governo de Bazoum, um bastião na luta contra os grupos terroristas islâmicos que atuam na região do Sahel. Tanto que mantêm uma base militar com cerca de mil homens no país, para fazer frente a essas organizações extremistas. Bazoum havia dado uma relativa estabilidade em uma região muito volátil, em que aumenta a animosidade contra EUA e França – esta a potência colonial – e enquanto cresce a simpatia pela Rússia. Torna-se marcante o ocorrido nas vizinhas Mali e Burkina Faso, onde também ocorreram golpes, tendo assumido militares hostis ao Ocidente. Acrescente-se ainda o fato de o grupo mercenário Wagner de Yevgeny Prigozhin, que tem histórico de atuação na África, já ter oferecido seus serviços para os golpistas do Níger.

Tudo começou quando os militares do Níger fizeram um pronunciamento na televisão nacional na quarta-feira, 26 de julho, e anunciaram que o presidente Bazoum havia sido destituído, transferindo o poder para o Conselho Nacional para a Salvação da Pátria. Foi decretado o fechamento das fronteiras, a suspensão da constituição e a proibição de atividades de quaisquer partidos políticos. Desde então, o presidente deposto continua detido pelos militares e as ruas da capital são palco constante de manifestações de apoio ao golpe. A Comunidade Econômica da África Ocidental (Cedeao) logo se posicionou contra o golpe, impondo sanções ao país e suspendendo todas das transações financeiras e comerciais do Níger com o bloco de 15 estados-membros. Um comunicado da Comunidade exigiu a libertação imediata do presidente Bazoum e disse o seguinte: “Se a ordem constitucional não for restabelecida no país dentro de uma semana, a aliança tomará todas as medidas necessárias. Essas medidas podem incluir o uso da força”. E na sexta-feira, 4, o presidente da Nigéria, Bola Tinubu, solicitou ao Senado do país autorização para intervenção armada no Níger, para derrubar o governo instaurado com o golpe. Já Burkina Faso e Mali, onde vigoraram os golpes militares, e cujos líderes se manifestaram abertamente pró Rússia, se dispuseram a ficar ao lado dos golpistas do Níger. O coronel Abdoulaye Maiga, porta-voz do governo do Mali, afirmou que qualquer intervenção militar contra o Níger “seria equivalente a uma declaração de guerra contra Burkina Faso e Mali”. Com o que criou-se um perigoso quadro para a deflagração de uma guerra regional.

Cumpre salientar que esta simpatia pela Rússia por alguns regimes africanos remonta aos tempos da União Soviética, que deu apoio logístico e em armamentos aos países que buscavam se libertar do período colonial. E como a França foi uma das grandes potências colonizadoras da África, pesam contra ela as manifestações de repúdio. E Moscou tem sabido lidar com isto no período pós-colonial. “É usada uma retórica que a União Soviética utilizou durante todos aqueles anos, ou seja, a libertação da opressão e exploração colonial. Não importa o que está por trás disso, o importante é o lema. E esses lemas se encaixam muito bem na visão de mundo bipolar, da percepção da realidade e entendimento do Ocidente na África”, disse o cientista político Pavel Usov, chefe do Centro de Análise e Previsão Política da Bielorrússia, em entrevista ao Brasil de Fato. Ou seja, mais uma competição difícil de ser vencida pelo Ocidente.


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