Constituição divide o Chile

Constituição divide o Chile

Até pouco tempo considerado o país mais seguro e menos violento da América Latina

Jurandir Soares

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Estou esta semana em Santiago, onde acompanho o intenso debate que está sendo travado em torno de uma nova Constituição para o para o Chile. Nesta terça-feira, 7, o presidente Gabriel Boric convocou um novo plebiscito, para o dia 17 dezembro, para que a população se manifeste se aprova ou não a Carta que deverá substituir a que fora implantada pela ditadura de Augusto Pinochet, em 1980. Esta é a segunda tentativa de aprovação de uma nova Constituição para o país. A primeira fracassou nas urnas, em setembro de 2022, quando 61% do eleitorado rejeitaram o texto, principalmente por considerá-lo de esquerda radical. A atual versão é considerada mais à direita, resultado da composição dos eleitos para a Assembleia Constituinte. Para a qual, aliás, o recém-criado Partido Republicano conseguiu um resultado expressivo, ficando com 22 das 50 cadeiras. A coalizão de esquerda do presidente Gabriel Boric ficou com apenas 11 cadeiras. 

O grande desafio será fazer uma reforma tributária e uma reforma da previdência. Quanto a esta última, há o consenso entre os membros do partido de que o sistema por ações que fora implantado no país não deu certo. “Começa o tempo definitivo dos cidadãos e cidadãs. Agora, sua voz e decisão são o que importa”, declarou Boric nesta terça-feira. A coalizão do governo se manifestou contra o novo texto, considerando-o retrógrado em termos de direitos civis e sociais, e por estabelecer claramente instituições privadas de saúde, de educação e de previdência. Fica estabelecido o jogo que está muito presente hoje na América Latina entre direita e esquerda. Assim, se a Carta anterior foi rejeitada por ser considerada muito à esquerda, as perspectivas são de que a atual também será reprovada por ser muito à direita. A proposta atual foi criticada inclusive pelos democratas-cristãos (centro) como um texto conservador e “ideológico da direita radical”. Já o deputado de direita Diego Schalper avaliou que o novo projeto de Constituição “melhora significativamente a situação constitucional do país em termos de segurança pública, gestão do meio ambiente, proteção dos direitos das mulheres, dos direitos sociais, bem como a reforma do sistema político”. O presidente Boric disse que se esta Carta também for rejeitada ele não apresentará nova proposta. Irá governar até o fim de seu mandato, em 2026, com a vigente que, embora sendo do tempo de Pinochet, já sofreu várias alterações.

E hoje o presidente Boric tem múltiplos desafios pela frente. Até pouco tempo considerado o país mais seguro e menos violento da América Latina, o Chile está vendo este quadro mudar. Basta que se acompanhe os números comparativos de um ano atrás. Em 2022 os homicídios cresceram 33,4% com relação ao ano anterior, segundo dados da Secretaria de Prevenção de Delitos. Os roubos com violência e intimidação subiram 63,1% e os de automóveis 39,8%. No que toca aos homicídios o índice de crescimento no Chile só foi inferior na região ao Equador, que teve um espantoso crescimento de 80%. O presidente Gabriel Boric, que fora acusado por seus adversários de inflamar um discurso de esquerda contra a polícia, nas eleições de 2019, teve que dar um giro de 180 graus, passando a dar o maior respaldo às ações policiais. A constatação é de um substancial crescimento do crime organizado no país. Fator que vem colaborar para esses índices é o crescimento da pobreza, da desigualdade e da migração. O Chile recebeu nos últimos anos enormes contingentes de migrantes venezuelanos, colombianos e haitianos, entre outros. Com isto passou a ver algo que não existia no país: os moradores de rua e os drogados se acumulando nos centros das grandes cidades. Mas isto ainda em proporções bem menores na comparação com São Paulo ou Buenos Aires. Mas é algo que preocupa neste país que sempre se orgulhou de ter a melhor qualidade de vida da América Latina.


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