Cristãos x muçulmanos

Cristãos x muçulmanos

Vale lembrar outro fato histórico da região que envolveu as duas religiões, representadas por Armênia e Turquia.

Jurandir Soares

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A conturbada região ao Sul da Rússia está mais uma vez em ebulição, com o mundo passando a ouvir um nome estranho: Nagorno-Karabakh. Mas passou a ouvir também sobre uma disputa que de tempos em tempos recrudesce. Ou seja, entre cristãos e muçulmanos. E aqui estamos falando do Azerbaijão, país de maioria muçulmana, e da Armênia, de maioria cristã. Ocorre que dentro do Azerbaijão criou-se um enclave com maioria cristã, chamado Nagorno-Karabakh. Em tempos recentes os habitantes deste enclave resolveram tornar o mesmo independente. Receberam o apoio militar da Armênia, armaram-se, foram à guerra e perderam. Resultado, mais um grande êxodo na região.

Até esta quarta-feira a Armênia já havia recebido 50 mil dos 120 mil moradores de Nagorno-Karabakh.

Vale lembrar outro fato histórico da região que envolveu as duas religiões, representadas por Armênia e Turquia. Até hoje os armênios cobram um pedido de perdão por parte do governo turco pelo que consideram o genocídio de um milhão e meio de armênios pelas forças turcas. O dia 24 de abril de 1915 é a data tradicionalmente consagrada como o dia em que foi dado o primeiro passo para o processo de extermínio sistemático dos armênios levado a cabo pelo Império Otomano e, posteriormente, pela República da Turquia.

O pretexto usado pelos chamados Jovens Turcos para desencadear as matanças foi que os armênios se alinhariam com os russos na Primeira Guerra Mundial. O genocídio foi uma mistura de deportações maciças para os desertos da Síria, então parte do Império Otomano, e assassinatos em massa, das formas mais brutais. Pois, é lembrando este fato ocorrido com seus ancestrais que os armênios de Nagorno-Karabakh estão fugindo em massa do Azerbaijão, temendo serem vítimas também de um massacre. O presidente do Azerbaijão, Ilham Aliyev, assegura que dará proteção aos que ficarem. Mas os antecedentes não dão credibilidade.

A disputa entre Armênia e Azerbaijão pela região levou os países recentemente a duas guerras: uma entre 1991 e 1994 e outra em 2020. Em ambos os conflitos, o cessar-fogo foi mediado pela Rússia, que mantém tropas de manutenção de paz no enclave separatista. A operação militar lançada pelo Azerbaijão no dia 19 de setembro reacendeu a possibilidade de uma nova grande guerra no Cáucaso, considerando que o governo azeri deixou claro que apenas rendição “total e incondicional” da presença militar armênia da região separatista poria fim à operação militar. “A única forma de alcançar a paz e a estabilidade na região é a retirada incondicional e completa das Forças Armadas armênias da região de Karabakh, no Azerbaijão, e a dissolução do chamado regime armênio ali instalado”, declarou o Ministério da Defesa do país. A Armênia, por sua vez, negou que tivesse tropas atuando na região separatista. Ao mesmo tempo, o primeiro-ministro armênio, Nikol Pashinyan, é alvo de críticas e intensos protestos na capital Yerevan. Houve acordo para o fim da ofensiva militar, mas a Armênia e Azerbaijão não chegaram a assinar um acordo de paz propriamente dito. O cessar-fogo está longe de representar um cenário de estabilidade, considerando que não houve qualquer acerto sobre o futuro da população armênia local. Fica só a palavra do presidente azeri, na qual os armênios não confiam.

Há que lembrar outro fato histórico na região para perceber que a guerra pode não parar por aí. Entre 1918 e 1920 Armênia e Azerbaijão já estiveram em guerra. Naquela ocasião a Armênia incorporou o enclave de Zangezur, que era de maioria muçulmana. Foi a sua vez de desencadear uma limpeza étnica contra os muçulmanos que ali viviam.

Em 1920, Zangezur passou a fazer parte da República Soviética da Armênia. No final dos anos 1980, quando começou a ruir a União Soviética, os últimos muçulmanos que ali viviam fugiram por temor de uma nova limpeza étnica. E agora o temor da Armênia é de que o Azerbaijão possa, na extensão desta guerra, vir a tentar tomar Zangezur. Ou seja, em pleno Século 21 ainda continuamos com as disputas entre cristãos e muçulmanos.


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