Deu racha na Ucrânia

Deu racha na Ucrânia

No futebol, quando um time não vai bem, troca-se o treinador. Já na área militar, quando as forças armadas não conseguem avançar, troca-se o comandante.

Jurandir Soares

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É esta lógica que parece estar aplicando a Ucrânia. Senão, vejamos: em junho do ano passado a Ucrânia iniciou uma contraofensiva, com vistas a afastar as tropas russas de seu território, que haviam invadido a 24 de fevereiro de 2022. Uma ação dita também para recuperar a província da Crimeia, que a Rússia havia tomado em 2014. Passado todo este tempo as tropas ucranianas não deram sequer um passo à frente. A guerra se tornou estagnada e desgastante não só para Kiev, mas também para os seus importantes aliados fornecedores de armas, como Estados Unidos e membros da União Europeia. Estes não só diminuíram a ajuda como ameaçaram cessar, devido aos altos dispêndios.

Diante deste quadro, o presidente Volodimir Zelensky parece ter se determinado a adotar a prática do futebol. Afinal, o treinador não está apresentando resultados e o time está na iminência de cair. O problema é que o “treinador” da Ucrânia é uma espécie de Renato Portaluppi no Grêmio. É um ídolo e, como tal, tem muita gente contrária à sua demissão. No caso real, trata-se do comandante das Forças Armadas da Ucrânia, o general Valeri Zaluzhni. Pois, segundo informações do correspondente do The Economist, Oliver Carroll, na segunda-feira (29) à tarde correu a informação de que, naquela noite, Zelensky iria demitir o comandante. As horas se passaram, com muitas especulações sobre o substituto em meio a muitas manifestações de contrariedade, até que o Ministério da Defesa e o porta-voz de Zelensky negaram a deposição de Zaluzhni. No entanto, o dano já estava feito, confirmando o distanciamento entre os dois. Estas informações foram confirmadas para o site ZN pelo líder de oposição na Ucrânia, Oleksii Goncharenko.

Zelensky teria decidido consultar seus principais aliados internacionais. E a resposta que recebera foi de que o general Zaluzhni é considerado um dos mais sólidos líderes militares com que conta a OTAN. E o mais importante é que as tropas e a população ucraniana o consideram um herói nacional. E mais: que o exército está fechado com ele. Na mesma noite de segunda foi publicada uma foto em que Zaluzhni aparece lado a lado com o general Serhii Shaptala, chefe do Estado Maior. Um explícito sinal de união das Forças Armadas. 

Em meio a essas desavenças, vem a informação de que as divergências entre Zelensky e Zaluzhni vêm desde o início da guerra. Logo após a invasão russa, os dois teriam discutido acaloradamente. Isto porque Zelensky queria negociar um cessar-fogo com os russos, enquanto Zaluzhni argumentava que era possível resistir ao ataque. Semanas antes da invasão Zaluzhni teria advertido que a ofensiva russa era iminente, porém Zelensky teria desconsiderado a advertência. Apesar de não transparecer para o exterior, essas divergências seguiram acontecendo. Um ponto agudo teria sido em novembro último, quando Zelensky concedeu uma entrevista para The Economist em que traçava um panorama sombrio para o futuro do conflito. Um dos pontos abordados pelo presidente era a dificuldade em atender a solicitação das Forças Armadas de convocar mais 500 mil ucranianos para a guerra. Zelensky argumentou que ninguém mais quer ir para uma guerra sem perspectivas de acabar. Aliás, muitos homens fugiram da Ucrânia diante da possibilidade de nova convocação. Zelensky entendia que, mesmo sem novas convocações, as tropas ucranianas poderiam continuar ganhando terreno, algo contestado por Zaluzhni. No âmbito político, os partidos de oposição a Zelensky, que são minoria no Parlamento, ativaram nos últimos meses fortes críticas à gestão do presidente. O ex-presidente e fundador da principal força oposicionista, Solidariedade Europeia, Petro Poroshenko, publicou um duro comunicado em que acusou Zelensky de mover-se por “emoções e ciúmes”.

O fato é que no dia 24 deste mês a guerra da Ucrânia completa exatos dois anos de duração e, apesar do conflito permanecer sem nenhuma perspectiva de resolução, movimentações da Rússia e da Ucrânia apontam para uma nova fase em meio a rumores de “congelamento” das atividades militares em larga escala. O esgotamento de recursos, humanos e militares, bem como o fracasso da contraofensiva ucraniana, recalibram a estratégia do Ocidente e da Rússia. Em entrevista ao Brasil de Fato, o analista do International Crisis Group para a Rússia, Oleg Ignatov, afirma que, apesar de a Ucrânia demonstrar que ainda é capaz de algumas ofensivas bem sucedidas, o que está claro é que as partes “alcançaram o teto de suas capacidades”. A dedução é de que para a guerra terminar, a Ucrânia vai ter que negociar com a Rússia a província de Donbas. A região que Putin, por sua conta, declarou independente antes de iniciar a guerra e que quer tomar. A confirmar-se, terão sido dois anos de guerra, com mortes, destruição, êxodo e altos gastos, para tudo ficar como no início.


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