E a advertência de Boric?

E a advertência de Boric?

Ainda repercute na região a advertência à esquerda latino-americana, feita a 24 de fevereiro, pelo presidente chileno, Gabriel Boric

Jurandir Soares

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Ainda repercute na região a advertência à esquerda latino-americana, feita a 24 de fevereiro, pelo presidente chileno, Gabriel Boric. Ele, que é um dos maiores nomes da esquerda latina, condenou os governos esquerdistas da região, dizendo que eles costumam criticar a ditadura no Iêmen, mas não criticam as ditaduras da Venezuela e da Nicarágua. E lembrava o fato de que Daniel Ortega acabava de mandar 222 cidadãos da Nicarágua para o exílio, tirando-lhes a cidadania de seu país. “O ditador não sabe que a pátria se leva no coração e nos atos, e não pode ser cassada por decreto”, disse, pioneiramente e de maneira veemente, Gabriel Boric.

À critica de Boric se somou a de outro esquerdista, o presidente da Colômbia, Gustavo Petro, o qual disse: “A Colômbia registrou com repulsa as medidas tomadas de maneira arbitrária pelo chefe de governo da fraterna e sofrida República da Nicarágua contra cidadãos de seu país cujo único delito foi defender a democracia, o direito à crítica e aos direitos humanos universais”. Ambos mostraram que a esquerda não pode ser feita só de acobertamento de companheiros. Mostraram uma coerência que precisa ser ressaltada, na qual foram acompanhados na sequência pelo argentino Alberto Fernández, que, como os outros dois, ofereceu cidadania para os nicaraguenses expatriados. Vieram ainda se somar às críticas os governantes esquerdistas do México, Lopez Obrador, e da Espanha, Pedro Sánchez.

Como se observa, não se ouviu na ocasião uma palavra do governo esquerdista de Lula no Brasil. No entanto, a oportunidade foi dada posteriormente, dia 3 de março, por ocasião de reunião do Conselho de Direitos Humanos da ONU. Na oportunidade, com base em relatório de peritos da organização, 55 países condenaram o que classificaram de crimes contra a humanidade cometidos desde 2018 pelo ditador Daniel Ortega e sua mulher, Rosario Murillo. Disseram que, “com a cúpula política e policial, cometeram violações sistemáticas aos direitos humanos na Nicarágua e crimes contra a humanidade”. E qual foi a posição do Brasil? Optou por não assinar a declaração. O governo brasileiro propôs um documento que abrisse espaço para diálogo com Ortega. Os demais não aceitaram.

Após as veementes críticas ao governo Lula, em nova reunião do Conselho de Direitos Humanos da ONU, em Genebra, na terça-feira dia 7, o país, finalmente, manifestou preocupação com os relatos de violações dos direitos humanos na Nicarágua. “O governo do Brasil acompanha os eventos na Nicarágua com a maior atenção e está preocupado com relatos de sérias violações de direitos humanos e restrições ao espaço democrático naquele país, particularmente execuções sumárias, detenções arbitrárias e tortura contra dissidentes políticos”, disse Tovar da Silva Nunes, embaixador brasileiro na ONU. E acrescentou: “Reafirmando seu compromisso humanitário com a proteção dos apátridas e com a redução da apatridia, o governo brasileiro se coloca à disposição para acolher as pessoas afetadas por esta decisão, nos termos do estatuto especial previsto na Lei de Migração brasileira”. Apesar da declaração, o diplomata evitou citar o nome do ditador Daniel Ortega.

Quanto às críticas de Boric à Venezuela, o outro ditador da região, Nicolás Maduro, o atacou diretamente, chamando-o de “cachorrinho dos americanos”. Maduro que, por seu governo caótico, é o responsável por um dos maiores êxodos do mundo, pela saída do país de mais de 6 milhões de Venezuelanos. Até aqui em Porto Alegre, a 4.800 quilômetros de distância da Venezuela, encontramos venezuelanos pedindo ajuda para sobreviver. Sem contar muitos outros que já conseguiram se encaminhar por aqui. Lembrando que só a Colômbia recebeu quase 3 milhões de venezuelanos. Imagine-se quais as condições no país para este imenso contingente estar buscando sobrevivência em outros países. Pois a ditadura de Nicolás Maduro acaba de ser contemplada, na quarta-feira, 8, com a visita de uma entusiasmada delegação brasileira, liderada pelo assessor presidencial Celso Amorim. O homem que durante bom tempo ditou a política externa brasileira. Foi lá, ridiculamente, se abraçar a Maduro e tratar sobre o restabelecimento das relações entre os dois países. Alguma palavra sobre o que disse Boric? Evidente que não. O atual governo brasileiro, que tanto criticou a ameaça à democracia que, na sua visão, havia em nosso país, simplesmente, se calou. Até pelo contrário, a alegria de Amorim ao ser recebido por Maduro é a mostra eloquente do apoio ao ditador.


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