Eleição russa na Ucrânia

Eleição russa na Ucrânia

A Rússia tem eleições presidenciais marcadas para acontecerem de 15 a 17 de março. Em decorrência, alguns fatos marcantes precisam ser analisados.

Jurandir Soares

publicidade

O primeiro deveria ser a questão propriamente da presidência. Se Putin continua ou será substituído, mas isto se torna secundário em função de outro fato: a realidade da presença russa dentro do território da Ucrânia.

Isto porque há uma junção entre os dois fatos. Segundo anunciou a Comissão Eleitoral Central, o processo será desenvolvido nas 89 unidades federais russas, incluindo aí duas na Crimeia e quatro na Ucrânia. Ou seja, estas quatro da Ucrânia significam que estão na província de Donbas, onde existe uma parcela significativa da população de origem russa e onde as forças russas estabeleceram a sua presença. Trata-se da região que Putin, por sua conta, declarou independente pouco antes de iniciar a guerra contra a Ucrânia, a 24 de fevereiro de 2022.

A constatação que fica é de que a Rússia tem um domínio tão seguro daquela área que programou para funcionar nela quatro centrais eleitorais. O fato de a Ucrânia não ter conseguido avançar em sua contraofensiva, iniciada em junho de 2023, deixa a suposição de que realmente a Rússia domina a área.

Assim, torna-se cada vez mais difícil para o presidente Volodimir Zelensky alcançar seu objetivo de expulsar a Rússia e recuperar a província. Mais difícil ainda a recuperação da Crimeia, anexada em 2014. Já abordei em artigo anterior o fato de a Ucrânia estar estagnada na sua intenção de expulsar as forças russas e retomar seu território. Já são dois anos de guerra e tudo segue quase como começou. Na realidade, no primeiro momento as forças da Ucrânia conseguiram resultados memoráveis. Como, por exemplo, fazer retornar colunas de tanques que marchavam sobre a capital, Kiev. Mas parou por ali. Hoje, se houver um acordo para o fim da guerra implicará, seguramente, a entrega pela Ucrânia das áreas ocupadas pela Rússia.

Quanto ao outro aspecto, a eleição presidencial traz um novo protagonista, que se apresenta como oponente a Vladimir Putin. Vem com uma plataforma pró-Ocidente. Trata-se de Boris Nadejdin, 60 anos, um veterano deputado do partido Iniciativa Cívica, de centro-direita, e que tem como base de seu discurso o fim da guerra no país vizinho, a integração com a Europa e a revogação de leis anti-LGBTQIA+ preconizadas ao longo dos quase 25 anos de Putin no poder. Em entrevista para o jornal The Moscow Times, ele disse que “a Rússia deve ser pacífica e livre”. Precavido, ele não bate de frente com Vladimir Putin, pois sabe que isto é passível de uma ação judicial contra ele.

Este fato dá uma pequena ideia do que é o processo eleitoral na Rússia, onde Putin está no poder desde 2000 e que, pelas mudanças que implantou nas regras eleitorais, poderá permanecer até 2036. E um candidato para se habilitar precisa ter seu nome aprovado pelo governo. Ou seja, quem pode ser ameaça já é descartado de plano. Conforme aconteceu, por exemplo, com a jornalista Yekaterina Duntsova, que prometia uma plataforma antiguerra e que teve sua candidatura indeferida em novembro. Além de Nadejdin e de Putin, há mais três candidatos. São eles Nikolai Kharitonov, do Partido Comunista, o nacionalista radical Leonid Slutski, do Partido Liberal Democrata, e o liberal Vladislav Davankok, do Novo Povo.

Todavia, não adianta falar em candidatos num país em que a censura impera e só pode concorrer quem não se constitui em ameaça ao governo. Uma censura que intensificou-se depois de iniciada a guerra na Ucrânia. Expressões como “ataque”, “invasão” e “guerra” em notícias que comentem o conflito na Ucrânia se tornaram proibidas. A punição para quem descumprir a ordem é o bloqueio imediato e uma multa que pode chegar a cinco milhões de rublos, valor equivalente a 60 mil dólares. Também foram proibidas as manifestações de rua contra a guerra. Tudo inserido na “divulgação de notícias falsas de guerra”, fato passível de punição. 

Especialistas independentes nomeados pelo Conselho de Direitos Humanos da ONU, afirmam que, enquanto o governo russo alega que o objetivo da nova legislação é proteger a “verdade”, na realidade a lei coloca o país em um apagão de informações. De acordo com os relatores, ao restringir as reportagens e bloquear o acesso à informação on-line, “as autoridades não estão apenas sufocando os últimos vestígios de mídia independente e pluralista na Rússia, mas também estão privando a população do direito de acessar diversas notícias e opiniões neste momento crítico em que milhões de russos querem legitimamente saber mais sobre a situação na Ucrânia”. Assim, é sob este clima que serão realizadas as eleições de março. A pergunta que fica é se alguém poderá duvidar de que Vladimir Putin será eleito para mais um mandato de seis anos.


Mais Lidas

Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895