Erdogan se torna ator importante

Erdogan se torna ator importante

Um presidente adorado por uns, detestado por outros.

Jurandir Soares

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A Rússia e a Ucrânia acertaram prorrogar por dois meses o acordo que dá garantias de navegação marítima à Ucrânia. O que significa que o país que está sob ataque vai poder continuar a exportar sua produção através do Mar Negro, algo que é fundamental para a combalida economia ucraniana. Mas que também é igualmente importante para a Rússia. O detalhe desse acordo é que ele vem sendo mediado, em nome da ONU, pelo presidente da Turquia, Recep Tayyip Erdogan, o qual vem ocupando um lugar de cada vez mais destaque no cenário internacional. Todavia, com muitas contestações, tendo em vista a forma cada vez mais autoritária com que ele governa o seu país. Que, por sinal, teve eleição presidencial, efetuada no último domingo, que resultou na necessidade de um segundo turno, a 28 de maio, já que nenhum dos candidatos ultrapassou os 50% necessários de votos. No entanto, pela análise dos números do primeiro turno dá para perceber que o presidente Recep Tayyip Erdogan, que está há 20 anos no cargo, vai conquistar mais um mandato. E a dedução é fácil. No primeiro turno, ele alcançou 49,5% dos votos, concorrendo pelo seu Partido da Justiça e do Desenvolvimento, AKP, de direita. Seu opositor centro-esquerdista Kemal Kiliçdaroglu, que concorre por uma coalizão que reúne um espectro político que vai da direita à esquerda, chegou a 44,8% dos votos. O que leva a deduzir que a vitória de Erdogan virá é a votação do candidato que ficou em terceiro lugar, o nacionalista de ultradireita Sinan Organ, que conseguiu 5,17% dos votos. Este, salvo uma mudança radical, irá se aliar com Erdogan, o que garantiria a vitória do atual presidente.

Um presidente adorado por uns, detestado por outros. Conseguiu colocar a Turquia no cenário internacional como um ator importante. Distanciou-se dos Estados Unidos, sem abdicar dos compromissos com a Otan, e criou uma certa aproximação com a Rússia. Porém, o mais significativo foi afastar-se dos preceitos de Ataturk, o fundador da moderna república turca, que sucedeu o Império Otomano. E um desses preceitos básicos é a separação entre Estado e religião. Erdogan trouxe de volta o islamismo para o centro do governo. E mais, tomou medidas autoritárias que se contrapõem aos ditames democráticos, fomentando a autocracia. Fatos que geram uma frustração em seus opositores por não conseguirem convencer as massas a fazer o país mudar de rumo. Ainda mais diante de uma inflação que bate nos 85%, em que a moeda nacional, a Lira, perdeu 90% de seu valor e, apesar de antes da Pandemia o país ter experimentado um crescimento do PIB que foi de 3% a 8,%, o poder aquisitivo da população despencou. 

Mas a faceta principal de Erdogan é a do seu autoritarismo. Investiu contra os meios de comunicação e desmantelou o Estado de Direito ao acabar com a prática da separação dos poderes. Manteve encarcerados 40 mil presos políticos, sendo cerca de 11 mil deles curdos e o restante gülenistas, adeptos do líder de oposição Fethullah Gülen, acusado de liderar uma tentativa de golpe de Estado contra Erdogan, em 2016. Fato que gerou uma “caça às bruxas” no país. Segundo um balanço da AFP, ao menos 25.000 funcionários, sobretudo policiais e educadores, foram suspensos ou destituídos de suas funções em todo o país, no âmbito da caça de gülenistas. O Conselho de Ensino Superior pediu a renúncia de mais de 1.500 reitores e decanos de universidades públicas e das que estão vinculadas a fundações privadas, segundo a agência pró-governamental Anatolia. Também foram destituídos os membros da Junta Eleitoral Suprema, que foram substituídos por clérigos formados nas escolas do imanado.

Diante de todos esses aspectos é de se perguntar sobre o porquê de Erdogan ainda ser o favorito para o segundo turno, depois de quase ter vencido no primeiro. Em primeiro lugar, tem a seu favor o controle absoluto dos meios de comunicação. Meios que ajudam a pintar o adversário como ligado aos terroristas do PKK, o Partido do Povo do Curdistão, movimento separatista dos curdos. O fato é que, apesar dos pesares, Erdogan segue firme. Conquistou maioria no Parlamento nas eleições de domingo, o que se constitui em mais um fator favorável à reeleição desse dirigente que, no caso da guerra da Ucrânia, hesitou em apoiar o ingresso de Finlândia e Suécia na Otan, sob a alegação de que davam guarida aos terroristas do PKK. E não condenou a Rússia pela invasão da Ucrânia. Isto faz com que seja visto como um líder de um país membro da Otan, mas que deu uma inclinada para o Leste ultimamente.


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