Fim para guerra civil na Síria

Fim para guerra civil na Síria

Conflito encerra após 12 anos, mas desafios humanitários e econômicos persistem

Jurandir Soares

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Depois de 12 anos, mais de 350 mil pessoas mortas e a fuga do país de 14 milhões de cidadãos, pode-se dizer que a guerra civil na Síria chega ao seu fim. Não que o país esteja totalmente pacificado, pois ainda há alguns focos de combate no Norte, mas os principais atores chegaram a um consenso. Senão, vejamos. A guerra aconteceu na extensão do movimento chamado de “Primavera Árabe” e visava tirar Bashar Al-Assad do poder. Tinham a apoiá-lo a Rússia e o Irã. E apoiando os rebeldes, Estados Unidos e Arábia Saudita. Os Estados Unidos se retiraram da região desde que conseguiram aniquilar o Estado Islâmico, que ali havia se formado. A Rússia voltou-se para suas questões regionais e hoje está envolvida com a guerra na Ucrânia. E Irã e Arábia Saudita, os dois rivais regionais, assinaram recentemente um acordo de paz, mediado pela China.

O ato simbólico que atesta o fim do conflito é o fato de Bashar Al-Assad ter sido recebido neste fim de semana, entre abraços e beijos, pelo rei saudita Mohammed Bin Salman, em Jedah, na cúpula da Liga Árabe. Na prática, Al-Assad é o vencedor do conflito e volta para o convívio de seus parceiros árabes, depois de ter sido considerado um pária.

Porém, há também um interesse muito grande desses parceiros, que é o de fazer com que os sírios que se refugiaram em seus países voltem para sua pátria. E isto diz respeito a Egito, Jordânia, Iraque, Líbano e Turquia, este um país não árabe, que foram aqueles que receberam os maiores contingentes de refugiados. Claro que a estas alturas também a Europa está vibrando, não só porque também recebeu um número significativo de refugiados, mas, principalmente, porque acaba uma das principais correntes migratórias.

Caberá agora a Bashar Al-Assad buscar recursos para tentar reconstruir o seu país. Um país que, recentemente, foi atingido por um forte terremoto, que também atingiu a Turquia, e que ocorreu na sua parte Norte que, como ressaltei, é onde ainda se manifesta alguma resistência. Com a catástrofe ocorrida na região, até esta resistência perde força. O ditador tem ainda uma outra tarefa que, a experiência mostra, não é nada fácil: lidar com traficantes. O país se tornou um grande exportador de captagon, droga conhecida como “cocaína dos pobres”. Está sendo cobrado nesse sentido por seus parceiros da Liga Árabe. E é do anfitrião saudita que Al-Assad espera maior ajuda. Afinal, é o parceiro mais rico e aquele que está querendo ter um protagonismo internacional cada vez mais relevante.

Recuperar o país vai exigir muito esforço. Afinal, nestes 12 anos de guerra civil as consequências dos combates atingem duramente sua população, que enfrenta a pior crise econômica do país desde 2011. Atualmente, nove em cada dez sírios vive abaixo da linha da pobreza. De acordo com o relato de Paul Khalifeh, correspondente da RFI no país, apesar de ser um país produtor de petróleo, combustível é algo raro na Síria. “Os campos de petróleo do país estão nas regiões do leste, área que ainda não foi recuperada pelo governo. Além disso, a Síria tem de lidar com as duras sanções ocidentais ao país que, entre outras coisas, proíbem a venda de combustível para a Europa. Os transportes parecem o setor mais afetado pela crise no país, as ruas de Damasco estão vazias. Nas grandes cidades do país, onde se via normalmente engarrafamentos e grande movimentação, agora são poucos os carros a circularem e é quase impossível encontrar um táxi.” 

O relatório da Comissão de Inquérito da ONU sobre a Síria, divulgado no início deste mês, diz que o nível de sofrimento da população da Síria atingiu um novo patamar, com uma escalada recente da violência – esta não ligada à guerra - o colapso da economia e a piora da crise humanitária. O documento afirma que 12 milhões de pessoas enfrentam insegurança alimentar e um número sem precedentes de 14,6 milhões de civis dependem de assistência humanitária. A violência para a obtenção de dinheiro aumentou ainda mais com a “situação econômica desesperadora”. A Comissão de Inquérito nota sequestros para pedidos de resgate, extorsões e apreensão de propriedades que são confiscadas ou de plantações, para vender as colheitas. E finalizo com observação de Khalifeh: “Hoje, os sírios sobrevivem apenas graças ao dinheiro enviado pelos milhões de membros da diáspora espalhados pelo mundo”. Triste resultado de 12 anos de guerra civil para um país que já foi um dos expoentes do Oriente Médio.


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