Israel à beira do retrocesso

Israel à beira do retrocesso

Dois artigos publicados nesta semana retratam bem o que está acontecendo

Jurandir Soares

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Israel está vivenciando nos dias atuais uma mobilização sem precedentes de boa parte de sua população contra o governo, ao mesmo tempo em que recrudescem e se incrementam as confrontações com os palestinos e, acrescente-se ainda, pela primeira vez na história do país começa a ter problemas de relacionamento com o seu maior aliado, os Estados Unidos. Senão vejamos: um, a população do país tem saído às ruas para protestar contra a mudança na legislação que o primeiro ministro Benyamin Netanyahu quer fazer, tirando poderes do Judiciário e passando-os ao governo. Dois, depois de mais uma confrontação com os palestinos do Hamas, em Gaza, o exército israelense enfrentou nesta semana outro grupo guerrilheiro, o Hezzbollah, que atua a partir do sul do Líbano e teve que atuar também na Cisjordânia, região teoricamente mais tranquila, onde, porém, surgiram nos últimos tempos movimentos que, para os israelenses são chamados de terroristas, mas, para os palestinos são de resistência. Três, estas últimas ações do governo, que é formado por uma coalizão de direita radical, mereceram advertências do governo norte-americano, ao que o ministro da Segurança Nacional, Itamar Ben-Gvir, respondeu dizendo que Israel não é mais uma estrela na bandeira dos Estados Unidos. Menosprezando uma aliança histórica com um país que lhes forneceu, desde o final da Segunda Guerra, apoio incondicional e uma ajuda de 146 bilhões de dólares, sem contar a inflação, segundo relatório de 2020 do Serviço Congressional dos Estados Unidos.

Dois artigos publicados nesta semana retratam bem o que está acontecendo. Um, de autoria do editor de Internacional do The New York Times, Thomas L. Friedman. Outro, do jornalista Moisés Rabinovici, que foi correspondente Internacional no Oriente Médio, EUA e França. Friedman destaca: “Netanyahu e seus colegas começaram nesta semana a aprovar à força no Knesset um projeto de lei que vai impedir o Judiciário de usar a doutrina de razoabilidade há muito estabelecida na lei local. Essa norma confere à Suprema Corte o direito de rever e reverter decisões consideradas insensatas ou antiéticas tomadas pelo governo, por ministros e outros políticos eleitos”. Ou seja, o governo está buscando violar um dos preceitos que os israelenses mais se orgulham de se ufanar, de que o país é a única democracia do Oriente Médio. E o pior é que a população que tem saído às ruas para protestar tem sido reprimida à força pelos serviços de segurança.

Já os confrontos com os palestinos, tratam-se de uma repetição do que vem acontecendo ao longo dos anos. Ódio gerando ódio. Tema muito bem retratado na série televisiva israelense Fauda (Caos, em árabe), falada em hebraico e árabe. No somatório disto está o fato de o governo ir avançando sobre a Cisjordânia, com o estabelecimento de colônias judaicas, na nítida demonstração de que pretende, gradativamente, ocupar a área que, por decisão da ONU, é destinada aos palestinos. Quanto a isto, Rabinovici escreveu: “Os nacionalistas religiosos judeus estão pressionando Israel a anexar a Cisjordânia, a que chamam pelos nomes bíblicos de Judeia e Samaria. Querem uma teocracia; não democracia. Estão atacando palestinos em suas cidades, destruindo suas plantações, queimando seus carros e incendiando suas casas, sem que sejam impedidos ou punidos”. É preciso ressaltar que uma tomada da Cisjordânia significa sepultar a única esperança de paz que ainda existe, perpetuando o conflito e, por extensão, a insegurança do próprio povo de Israel.

Friedman ressalta o fato de o presidente Joe Biden ter dito à rede CNN que o atual governo de Israel é um dos mais radicais que ele já viu. E o embaixador em Jerusalém disse que os EUA estão lutando para evitar que Israel “descarrile”. O que pode acontecer pelos três aspectos ressaltados no início da coluna. E mais, este desprezo para com a causa palestina pode prejudicar o avanço dos chamados Acordos de Abrahão, mediados pelo ex-presidente Donald Trump e que resultaram na aproximação de Israel com Emirados Árabes Unidos, Bahrein e Arábia Saudita, entre outros. Enfim, o país, que se tornou uma potência tecnológica e democrática do Oriente Médio, está à beira de um retrocesso.


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