Israel e guerra civil

Israel e guerra civil

O país tem vivido momentos delicados nas últimas semanas

Jurandir Soares

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Israel tem vivido momentos delicados nas últimas semanas, não só nas confrontações com palestinos, que têm resultado em mortes de ambos os lados, como também nas manifestações contra o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu. Mais especificamente contra sua determinação em mudar um artigo da Constituição, de modo a permitir que o Parlamento vete, por maioria simples, uma decisão da Suprema Corte. O governo argumenta que a reforma é necessária para tirar a Justiça das mãos do que chama de magistrados elitistas e tendenciosos. Na prática, porém, ela daria superpoderes ao primeiro-ministro e a seus aliados enquanto durar seu mandato. Os protestos se avolumam no país e a situação chegou a um ponto em que o presidente Isaac Herzog disse que o momento está no limiar de uma guerra civil. Críticos à reforma de Netanyahu dizem que a decisão elimina o equilíbrio entre os poderes e atenta contra a democracia. Aliás, um dos maiores orgulhos dos israelenses é o seu processo democrático, que coloca o país como uma espécie de ilha em meio às autocracias do Oriente Médio.

O presidente Herzog, cujo cargo é mais simbólico, tentou apresentar um projeto alternativo, buscando um meio termo. O plano, no entanto, foi rechaçado por Netanyahu, para quem a proposta não corrige as distorções atuais. Em meio a esse debate, crescem as manifestações contra Netanyahu, acusado, inclusive, de busca de benefício pessoal com a mudança, tendo em vista que ele responde a processos, inclusive por malversação de verbas públicas.

De outra parte, os israelenses veem crescer as confrontações com os palestinos, com a repetição do que é o cotidiano nas relações entre ambos os povos, ou seja, com mortes de ambos os lados. Inclusive no que toca ao relacionamento com os palestinos há críticas fortes contra Netanyahu. Para muitos de seus críticos, inclusive nos Estados Unidos, ele fez tudo o que pôde para desacreditar a Autoridade Palestina como um parceiro na paz. Nunca dando crédito por seus esforços para conter a violência palestina contra israelenses e trabalhando para tornar impossível uma realidade de dois Estados ao instalar colonos judeus nas profundezas da Cisjordânia. Além do muro de contenção israelense, em áreas destinadas pela ONU e necessárias para um futuro Estado palestino. Bibi, como é conhecido o premiê, tem dado impulso à instalação de colônias judaicas naqueles territórios. Os palestinos de sua parte também não têm se ajudado, com a divisão que estabeleceram entre o Fatah, que aceita a existência de Israel e aceita negociar, e o Hamas, que quer a destruição do Estado de Israel, e, em função disto, é visto pelos EUA e pelo Ocidente como uma organização terrorista.

O que poderá colocar alguma luz nesse relacionamento são os chamados “Acordos de Abrahão” projetados e mediados pelo ex-presidente Donald Trump e pelos quais Israel firmou tratados de paz com Emirados Árabes Unidos, Barhein, Marrocos e Sudão. E alicerçou uma ampla aproximação com a Arábia Saudita. Na extensão da cooperação e intercâmbio com Israel, as monarquias do golfo querem trabalhar por uma solução para o problema dos palestinos. Em vez de permitir que tudo desmorone, o xeque dos Emirados Árabes Unidos, Mohammed bin Zayed, inspirado por seu embaixador nos EUA, Yousef al-Otaiba, propôs paz, comércio e turismo totais com Israel se os israelenses concordassem em não anexar unilateralmente o território na Cisjordânia, atribuído a Israel em um plano proposto por Trump.

O jornalista Gustavo Simon, em artigo na Folha, diz que a situação de Israel chegou a “um conjunto de mudanças demográficas dentro de casa, a ascensão de novas elites, um perfil mais à direita na população e um espaço crescente para a religião nos espaços de poder, o que levou a um ponto de ebulição”. Ou seja, o que estamos vendo é uma fragmentação na sociedade israelense, até há pouco tempo unida em defesa de seus ideais e sendo a única democracia no Oriente Médio. Numa das manifestações recentes, aqueles que protestavam levavam velas para, segundo disseram, representar a luz da democracia contra a escuridão que o governo quer impor. Pressionado pelo governo dos EUA, Netanyahu apresentou nesta segunda-feira uma versão mais branda de seu projeto.


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