Lula e Osvaldo Aranha

Lula e Osvaldo Aranha

Na medida em que se constata a convicção do presidente com o que disse, sequer cogitando de um pedido de desculpas, mesmo com a repercussão negativa, chega-se à conclusão de que há uma estratégia por trás disso.

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A briga que o presidente Lula comprou com Israel ao comparar as ações israelenses em Gaza com o que Hitler fez contra os judeus segue gerando manifestações acirradas de ambas as partes, tendo chegado ao ponto de quase rompimento de relações. Exemplo marcante o fato de Lula ter sido considerado persona non grata em Israel. No entanto, na medida em que se constata a convicção do presidente com o que ele disse, sequer cogitando um pedido de desculpas, mesmo com a repercussão negativa para o Brasil em boa parte do mundo, chega-se à conclusão de que há uma estratégia por trás disso. Digo repercussão negativa em boa parte, sim, porque em uma outra parcela Lula recebeu apoio. E isto já pode ser parte da estratégia.

Nesta nova estratégia está implícita a deliberada determinação de apoio à causa palestina. E esta decisão de apoio pode ter sido tomada diante de duas circunstâncias. Uma delas: Lula fez uma declaração inapropriada sobre o conflito, magoou Israel, mas não quer se desculpar. Seu orgulho não permite isto. Assim, já que estamos em conflito, vamos apoiar o principal oponente de Israel na região, o povo palestino. A outra possibilidade, e esta me parece a mais viável, Lula provocou Israel deliberadamente para assumir a defesa de um assunto que hoje é consenso internacional, ou seja, de que é preciso dar aos palestinos o seu estado nacional.

O que respalda esta tese é a imediata participação do Brasil em audiência na Corte Internacional de Haia, acusando Israel de ocupação ilegal de territórios palestinos. Tendo se embasado para isto – aí não em opiniões -, em resoluções da Organização das Nações Unidos. A representante brasileira perante a Corte, Maria Clara de Paula Tusco, disse: “O Brasil espera que o tribunal reafirme que a ocupação israelense dos territórios palestinos é ilegal e viola obrigações internacionais por meio de uma série de ações e omissões de Israel”. Acrescentou que a ocupação de Israel dos territórios palestinos desrespeita as leis internacionais e o direito à autodeterminação do povo palestino. Ela mencionou a resolução 242 do Conselho de Segurança da ONU, de 1967, que enfatizou a inadmissibilidade da aquisição de território pela força e que orientou Israel a se retirar dos territórios que ocupou na Guerra dos Seis Dias, naquele mesmo ano. Após o conflito, Tel Aviv passou a ocupar a Faixa de Gaza, a parte oriental de Jerusalém e a Cisjordânia. “A ocupação persiste até hoje e foi agravada pela construção de um muro, de colonatos ilegais e pela anexação de Jerusalém Oriental”, afirmou Maria Clara Tusco. Na realidade, Israel saiu da Faixa de Gaza em 2005, entregando-a ao controle da Autoridade Palestina, controlado pelo partido moderado Fatah. Esta, no entanto, acabou sendo expulsa do território pelo Hamas, que estabeleceu ali seu domínio absoluto.

As maiores violações à resolução da ONU por parte de Israel se dão na Cisjordânia, onde o governo israelense vem constantemente implementando colônias judaicas. Trata-se de uma tática deliberada de ocupação territorial. Aliás, a maior parte do território palestino está sob ocupação militar de Israel. Mais um motivo para denúncia da representante brasileira junto à Corte de Haia. Segundo ela, “o estabelecimento de dois sistemas jurídicos, um para os colonos israelenses e outro para os palestinos na Cisjordânia ocupada, representa uma forma de discriminação”. Em uma reportagem da BBC de Londres, jovens palestinos disseram se sentir cidadãos de segunda classe, sem perspectivas diante dessas situações.

A Palestina ainda não é reconhecida como um país pelas Nações Unidas mas como um "Estado observador não membro" desde o final de 2012. Isso se deve a uma série de fatores, entre os quais falta de apoio internacional, sobretudo de superpotências como os Estados Unidos. Algo que está mudando hoje, pois Washington tem reiterado a sua disposição de buscar um acordo que resulte no Estado da Palestina. No entanto, mais de 70% dos países membros da ONU (138 de 193) reconhecem a Palestina como um Estado. O Brasil é um deles. Isso, sintomaticamente, ocorreu em dezembro de 2010, pouco antes do fim do segundo mandato do atual presidente Lula. Assim é que parece claro o objetivo de Lula. Assim como o brasileiro Osvaldo Aranha passou para a história como um líder que ajudou a criar o Estado de Israel, Lula também busca o seu reconhecimento como o brasileiro que ajudou a criar o Estado da Palestina.


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