Lula escorregou

Lula escorregou

O presidente Lula vinha mantendo uma posição de crítico às ações de Israel, porém dentro de um limite que, a meu ver, espelhava a realidade.

Jurandir Soares

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Durante seu primeiro pronunciamento em Adis Abeba, condenou as ações terroristas do Hamas em Israel, com os massacres praticados a 7 de outubro, mas considerou que Israel está exagerando nas suas ações de caça ao Hamas, vitimando uma quantidade enorme de civis palestinos, incluindo velhos, mulheres e crianças. Ações que, segundo números da ONU, já teriam provocado a morte de mais de 28 mil pessoas. Em outro pronunciamento, porém, neste domingo, Lula escorregou ao dizer que as ações militares de Israel em Gaza configuram um genocídio e mencionou o líder nazista. “Sabe, o que está acontecendo na Faixa de Gaza com o povo palestino não existe em nenhum outro momento histórico. Aliás, existiu quando Hitler resolveu matar os judeus.”

Lula acabou tocando no ponto mais sensível para os judeus que é o Holocausto. Ora, os judeus foram vítimas de uma perseguição deliberada e sem justificativas de Hitler, sendo tirados de suas casas e levados para os campos de concentração, onde eram exterminados nas câmaras de gás. Era uma ação deliberada, dentro de uma lógica de extermínio e de que deveria prevalecer apenas a raça ariana. A ação de Israel é com vistas a exterminar o grupo terrorista Hamas, porque este luta pela destruição do Estado judeu. O problema, e aí que procede a crítica a Israel, é que nessa caçada estão morrendo enormes contingentes de civis. Sem contar a destruição total de seu patrimônio e a situação de crise humanitária a que estão sendo levados os sobreviventes, com a falta de alimentos, medicamentos e água. Talvez o que Lula devesse, sem entrar em detalhes, apenas lembrar que um povo que sofreu tanto como o povo judeu deveria controlar melhor suas reações, distinguindo entre os que são da ala militar daqueles que são simplesmente civis. Na realidade, até os Estados Unidos, maior aliado de Israel, têm feito advertências quanto às ações em Gaza que vitimam civis. Na semana passada, o presidente Joe Biden disse que a resposta militar de Israel em Gaza é “exagerada”, na crítica mais contundente do mandatário dos EUA a Israel desde o início da guerra. Biden pediu ao premiê israelense que uma operação militar em Rafah não aconteça a menos que um plano “crível e realizável” garanta a segurança da população, segundo comunicado da Casa Branca. Já a ministra das Relações Exteriores da Alemanha, Annalena Baerbock, escreveu nas redes sociais: “O povo de Gaza não pode desaparecer completamente”.

O problema de Lula é quando ele fala de improviso sobre as questões internacionais. Quando leva um pronunciamento escrito por assessores do Itamaraty, tudo bem. Quando não, vem o desastre. Acabou comprando uma briga com um importante aliado, um país que tem nos ajudado muito em matéria de técnicas agrícolas, tecnologia da informação etc. O fato é que a escorregada de Lula levou o embaixador do Brasil em Tel Aviv a ser chamado pelo governo israelense para uma reprimenda, enquanto o presidente brasileiro era declarado persona non grata em Israel. Ação imediata, Lula chamou para consultas o embaixador brasileiro em Tel Aviv, Frederico Meyer, fato que em linguagem diplomática significa estremecimento de relações. Já o chanceler Mauro Vieira convocou o embaixador israelense para reunião.

O fato é que o tema é delicado e não permite manifestações de improviso. Ainda mais para quem tem um histórico de relações externas comprometedoras. Basta ver quem são os grandes aliados de Lula hoje: a Venezuela de Nicolás Maduro, a Nicarágua de Daniel Ortega, Cuba, deixada pelos irmãos Castro, hoje nas mãos de Miguel Diaz-Canel, o Irã dos aiatolás e por aí afora. Então, não surpreende que o presidente brasileiro tenha chegado ao ponto de ser saudado pelo grupo terrorista Hamas, pela posição assumida.

E voltando ao conflito de Gaza, o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, tem justificado as ações dentro do objetivo estabelecido quando iniciada a mobilização militar israelense, que é de eliminar o Hamas. Deixando implícito que mesmo que isto seja às custas de milhares de vidas de cidadãos palestinos. Agora, por exemplo, diz que não conseguirá acabar com as últimas brigadas do Hamas se não entrar em Rafah. Vale lembrar que naquela cidade do Sul de Gaza encontra-se refugiada a maior parte da população palestina. Então, não haverá a eliminação do grupo sem a morte de elevado número de civis. E por fim cabe ressaltar um aspecto que tenho insistido. Israel pode matar todos os atuais integrantes do Hamas, mas o grupo não irá morrer. Surgirão outros seguidores e isto se dará enquanto não resolverem o problema crucial daquela região: a constituição do Estado da Palestina, para conviver ao lado do Estado de Israel.


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