Macron na guilhotina

Macron na guilhotina

Dentre os múltiplos protestos que os franceses têm realizado contra o projeto de reforma da Previdência do presidente Emmanuel Macron, um foi muito significativo

Jurandir Soares

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Dentre os múltiplos protestos que os franceses têm realizado contra o projeto de reforma da Previdência do presidente Emmanuel Macron, um foi muito significativo. Reunidos na praça Concorde, reproduziram a cena da execução pela guilhotina de Luiz XVI, porém, com a imagem de Macron. A relação que foi feita era de que o antigo monarca foi vítima de um procedimento que ele mesmo havia criado um ano antes. E que, guardadas as devidas proporções, Macron seria uma vítima política da mudança que está tentando colocar em prática. O presidente aproveitou para, nesta quarta-feira, fazer um pronunciamento à nação para referendar que a reforma, apesar de impopular, seguirá o seu caminho e sentenciar: “Eu não busco ser reeleito”. Acrescentou que a reforma seguirá seu “caminho democrático e entrará em vigor antes do fim do ano”. Além disto, manifestou sua confiança na primeira-ministra Elizabeth Borne, que está sendo vista como a “Dama de Ferro” da política francesa, numa alusão à britânica Margaret Thatcher, mas que está muito debilitada politicamente pelos protestos.

Enquanto o presidente falava, o lixo de duas semanas se acumulava pelas ruas de Paris, decorrência da greve dos garis, uma em meio a tantas outras categorias que têm paralisado suas atividades. O projeto de Macron prevê o aumento da idade de aposentadoria de 62 para 64 anos, até 2030. E o período de contribuição de 42 para 43 anos, até 2027. Antes que o assunto fosse à votação no Parlamento, Macron se valeu de um dispositivo constitucional, mas nada democrático, o artigo 49.3, que permite ao presidente aprovar uma lei sem o aval do Legislativo. Fato que fez aumentar os protestos, os quais não pararam mesmo quando o Parlamento negou uma moção de censura contra o presidente.

Macron centrou seu pronunciamento em fatos concretos. Um deles, o aumento da qualidade e expectativa de vida dos cidadãos. “Vocês acreditam que me agrada fazer esta reforma”, disse ele. “Faço no interesse da nação, pois a cada ano cresce o número de aposentados e não aumenta a geração de renda correspondente por parte dos órgãos previdenciários”. O que, diga-se, é a mais pura verdade em qualquer parte do mundo nos dias atuais. Destacou que, além disto, o governo gastou muito dinheiro com a pandemia “para ajudar as empresas e nossos compatriotas”. E ainda veio a guerra para piorar a situação econômica. Segundo cálculos do governo, até 2030 o déficit previdenciário chegará a 12,5 milhões de euros.

Ocorre que a reforma de Macron é rejeitada por sete em cada dez franceses. Acostumados que são a viver das benesses do Estado, numa filosofia que é o oposto do “American way of life” dos norte-americanos. O resultado, por enquanto, tem sido, além do acúmulo de lixo, o bloqueio de rodovias, impedindo às pessoas o direito de ir e vir. Bloqueio de refinarias, impedindo a saída do combustível essencial ao funcionamento do país. E quebradeiras pelas cidades e os incêndios de lixeiras e até mesmo de lojas. Decorrência disto, os enfrentamentos com as forças de segurança, que têm resultado em centenas de prisões.

O fato é que o governo francês vem gastando anualmente 20% a mais do que arrecada. O déficit público chegou a 95% do PIB, sendo maior do que o do Brasil. Soma-se a isto um desemprego crescente, assim como os crescentes problemas com os imigrantes. Andar hoje pelos bairros de Paris é deparar-se com levas de pessoas desocupadas, a maior parte vinda da África ou do Oriente Médio, fugindo da fome ou da guerra, porém sem encontrar mais uma situação vivida nos anos 1960-1970, quando os imigrantes encontravam emprego e meios de subsistência. Esses tempos mudaram. Assim como também mudaram os tempos para as questões de aposentadoria.


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